terça-feira, 26 de novembro de 2013

Esquizofrenia


A primeira vez que vi aquela luz foi há muitos anos. Estava ainda no Canadá a acabar o curso. Numa das últimas aulas, o professor de vectores estava sempre a dar voltas com o braço direito, como um moinho, e a certa altura,  um raio verde saíu-lhe da cabeça e projectou-se no ar. Paahhh!
Perdão! Em 84 eu já tinha visto uma luz redonda no meu quarto, quando recebi o Santíssimo Sacramento em Braga.
Doutra vez, já eu cá morava e, numa daquelas manhãs de puto, estava na sala com a minha mãe, e vi pela janela uma nave de aço inoxidável parar na rua de Santana. Perguntei-lhe o que era aquilo, e ela encolheu os ombros. O ovni com três feixes de luz verde, abriu a porta, desceu uma rampa, e dois robots vieram-me buscar. Fiquei pior que estragado! Entrei lá dentro e fui teletransportado para o quarto do meu irmão, onde estava uma silhueta-sombra, que eu respeito como uma identidade máxima do altíssimo, que me disse: anda! ... anda! ... anda! ... e eu atravessei-a. Depois dela estava um hexágono das abelhas, como o do livro do 1º ciclo. Sabe?!
Quando lá cheguei tinha a mão a tremer com medo das gajos da Coreia, com aqueles capacetes com  extensão bem abaixo da nuca.
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 Estou a vender a como comprei! E o Haldol Decanoato tem-me feito muito mal, sabe! Porque há 18 anos que é Dê-cá-no-ato. Está a perceber! Dê-cá-no-ato! ... e não tem nada para mim! ... No princípio não era o Verbo? ... E eu é que me fodo!
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Não se preocupe que eu tenho as costas quentes, que eu vi a irmã Lúcia nas Ursulinas e um senhor com as chaves da morte e as chaves do inferno, no "3 Potes". Parecia um técnico da Grunding e do CDS. Todo avant-garde! E eu perguntei: Como é que o senhor se chama? -Cordeiro! -Cordeiro, não topo! E comecei a chorar! E depois ele mostrou-me a irmã Lúcia, num placard. Ajoelhou-se e disse: Oh mãe! Vamos para ali falar da custódia. Sentou-se e eu já não sabia em que cadeira ele estava. Depois, deu-me um cigarro e meteu-se com uns gajos por causa de um jornal. E eles disseram, meios chateados: Vamos embora pá! E eu respondi-lhes: - Só ligo à merda quando estou distraído!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Desesperos

- O meu homem fuma e bebe como um desgraçado e chateia-me todos os dias, a dizer que eu ando sempre doente.  Sr. Dr.! ... Eu aqui com esta dor que nem me deixa respirar e ainda por cima a ter que o ouvir! Valha-me Deus, que eu só me aguento à força de comprimidos, e ele não entende! Eu mal posso fazer o trabalho de casa, quanto mais andar aos desejos dele.
...
- Mas olhe Dr.! No outro dia entrou em casa, bem tocado, a queixar-se de um dedo do pé. Ele tem o ácido úrico. E eu cá para mim: - anda, que vais ver como é! E ao jantar, dei-lhe um arroz de sarrabulho com rojões.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

"The Shadow of the Sun"


Em 1957, Ryszard Kapuscinski (1931-2006) chegou a Africa como correspondente de um jornal polaco, para testemunhar o fim da época colonial.
"The Shadow of the Sun", é um “livro de viagens” onde as pessoas, a paisagem, a beleza e o horror de Africa, são descritas e interpretadas com breves comentários históricos.
Oriundo de uma família humilde polaca, Ryszard Kapuscinski, revela-nos pormenores de um viver africano, que a África dos europeus ignora ou encobre.

Não há tradução portuguesa, mas é um bom exercício de inglês, pois prende da primeira à última página, mesmo que se tenha de ir frequentes vezes ao dicionário.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Professor


Filinto Elisio Vieira da Costa, era respeitado pela exigência de rigor a que obrigava, e temido pelo insólito da sua postura como professor.
No início de cada ano, ao apresentar-se aos alunos, clarificava a sua disponibilidade, sibilando os "sss":
 -Dentro desta sala, somos todos iguais! ... Com uma diferença! Daqui ... manda-ssse, e daí .... obedeccce-ssse!
...
Histórias de outros tempos, que passam de pais para filhos.

domingo, 10 de novembro de 2013

Arte em Medicina

A caligrafia moderna varia de inscrições funcionais até criações utilitárias para magníficas obras de arte.
A "arte da escrita bela", enquadrada dentro das competências técnicas e das limitações materiais das diferentes pessoas, épocas e lugares, é uma evolução estética, e até o Grafite é considerado como arte apaixonada, expressão de estilo, cultura e identidade.
Nesta carta de referência de um doente a um Serviço de Urgência, o médico opta por uma expressão abstracta onde a arte se torna mais importante do que a legibilidade das letras, num estilo que lembra as “escripinturas” de Emerenciano.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Padres

Eu sou bisneta do padre José Maria. A minha bisavó era criada dele quando a minha avó nasceu. Ele nunca a perfilhou, mas toda a gente na aldeia sabia. Depois, ela ainda teve outro filho, mas esse era de outro senhor.
Quando o padre morreu, deixou tudo a uns sobrinhos. A minha avó contestou o testamento no Tribunal e acabou por herdar noventa contos, que era muito dinheiro naquela altura, e arranjou a casa onde agora ainda vivemos.
Quando o meu pai ia à doutrina, o povo dizia-lhe, de brincadeira, para pedir a bênção ao avô. Mas ele nunca os tratou como família.
Dizem que era boa pessoa. Nos últimos dias não negava que a minha avó era filha dele.
Morreu velhinho, na casa de um sobrinho. Está no cemitério, num jazigo, onde há mais de trinta anos não põem lá ninguém.
Nós não vamos lá, nem no dia de finados.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

As primeiras coisas


Deste romance, de Bruno Vieira Amaral, disse Rentes de Carvalho no seu blog "Tempo Contado":
 ... embargou-se-me a garganta, não só por aquele final de antologia, mas pela certeza de que tinha lido obra moderna no melhor dos sentidos. E obra de primeira. Respeitosa dos cuidados que a língua merece, original na criação, grande na sua humanidade, espectacular na sarabanda de episódios, personagens e enredos"

 ... não hesitei, li, gostei, invejei-lhe a escrita e passei a seu seguidor no Circo da Lama!