domingo, 26 de março de 2017

Lembranças do Olimpo (27) - A day in the life


Pouco passava das nove horas da noite, quando Hipólito se foi deitar. Aquele dia cheio de novidades aguardava que o sono lhe desse alguma arrumação. Quem trabalha com os braços ignora que pensar cansa mais que muitos trabalhos manuais. Pôs o CD dos nocturnos de Chopin, da Maria João Pires, no leitor e esperou que os olhos se fechassem.
Acordou, dez horas depois, no meio de um sonho. Procurava o automóvel num imenso parque onde todos tinham a cor do seu, e clicava repetidas vezes no comando da chave, sem que nenhum piscasse.
-Ufff! Não admira que se morra a dormir!, disse, enquanto se sentava na cama, ainda com o coração acelerado.
Se os sonhos dizem alguma coisa, esse estava em consonância com o seu estar: procurar o particular, naquilo que parece igual.

Apressou-se para chegar a tempo a um lugar do parque de estacionamento do hospital. A cidade atirara a população para a periferia e obrigava, mesmo os mais pobres, ao transporte individual. Aquele era dos poucos locais gratuitos e sem risco de ser multado, pelo que o estacionamento desordenado era a regra. Depois de cheio, um telefonema para o número do papelinho deixado no tablier, era suficiente para fazer alguém correr para aquele espaço tornado possível.
Era dia de Urgência e Hipólito fora avisado da falta de especialidades na Escala o que era frequente nas que tinham quadros mais reduzidos, nos períodos de férias, nas doenças e nos congressos ou outras formações. Nessas alturas, havia de decidir transferências dos doentes que necessitariam de parecer urgente.
Recebeu o turno e abriu o computador. Eram quatro os doentes à espera de Psiquiatria. A médica adoecera e não fora possível a sua substituição.

1:  Estava a receber subsidio de desemprego, mas faltou às apresentações e este foi-lhe cortado. Está a beneficiar de refeições da cantina social.
Não tinha solução para a vida e começou a vender os móveis da senhoria. Diz que teve consciência do que estava a fazer e que sempre pensou que o ia repor, mas ... não conseguiu.
Recebeu ordem de despejo. O pai é o fiador e tem pago todas as despesas.
Nunca ligou muito à escola e não concluiu o curso profissional.
Já trabalhou em inúmeras áreas (vendas, restauração e indústria). Onde trabalhou mais tempo (1 ano) foi no shopping a vender cartões de um Banco. - "Nunca fui estável em nível de empregos... ou por conflitos ou porque me fartava!"
Tem poucas amizades e foi-se distanciado dos familiares. Sempre quis a sua independência!
Presentemente não tem casa. Não parece possível voltar a residir com o pai, por também lhe ter vendido bens. -"Ele é de outra geração e não nos entendemos! Só pensa em dinheiro!".
Gostava de criar uma associação para ajudar pessoas. Quer ajudar o mundo, ter impacto nacional ou mundial. Impacto na televisão! Escrever um livro de auto-ajuda, dar conselhos …, auxiliar na procura de emprego!
2: Solteiro. Vive só. É electricista. Perdeu o controlo dos consumos de álcool há três anos, aquando de separação conjugal. Bebe nove a dez cervejas por dia.
Ontem de manhã, veio ao SU com o intuito de fazer “tratamento de desintoxicação” e foi orientado para o CRI. Depois, bebeu catorze “Macieiras” e à tarde foi resgatado do rio, para onde se atirou.
Ultimamente tem-se sentido mais nervoso e “pensativo". Nega ter planeado o gesto.
Já teve dois internamentos por Síndrome de Dependência Alcoólica. É filho de pais alcoólicos. Fuma um maço de tabaco por dia.
3: Há quatro dias teve uma quezília com a mãe. Saiu de casa e passou a noite na casa de uma tia. No dia seguinte voltou. Sentiu-se criticada e pressionada. Teve uma crise de nervos e desmaiou. Tentou sair de casa, mas foi impedida. Acabou por o conseguir e foi encontrada e tranquilizada por outros familiares, que a trouxeram ao Serviço de Urgência.
Relaciona o seu estado actual com conflitos familiares frequentes, sobretudo com a mãe, que questiona toda a sua vida, lhe lê o diário e a agenda e se intromete nas suas conversas com os amigos e namorado (tem um relacionamento há cerca de um mês). Sente-se invadida na sua privacidade e independência.
No Serviço de Urgência, terá encontrado (diz que por coincidência) um ex-namorado, com quem cruzou olhares e algumas provocações, após o que ficou muito ansiosa. Despiu as calças e as cuecas e ficou apenas com a camisola vestida, ... para o "provocar". Isso deu-lhe "algum gozo!".
Quer equilibrar-se e mostrar à mãe que sofre. Diz necessitar de umas férias!
4: Divorciado. Tem uma filha, que vive longe. Tem a 4ª classe e o 9º ano através das Novas Oportunidades. Esteve emigrado na Suíça. Há quatro anos foi reformado por motivos psiquiátricos.
Nas últimas semanas já recorreu ao SU por três vezes. Na última, psiquiatria reiniciou-lhe terapêutica anti-depressiva, que não cumpriu.
Diz ter descoberto que a companheira, com quem viveu nos dois últimos anos, o tem traído. Desde então não tem apetite e tem dormido muito pouco. Ouve barulhos durante a noite - "móveis a estalar e outros ruídos estranhos!”. Hoje, ao acordar, deparou com a "casa toda aberta, com as janelas escancaradas!”.
A sua intenção actual é comprar uma arma, a um cigano, dar dois tiros em cada perna da companheira e depois, entregar-se à polícia!"

Hipólito encaminhou-os e passou às doenças do corpo que, apesar de poderem ser fatais, são mais fáceis de entender, mesmo quando afectam gente de idade e sem capacidade de se exprimir.
1:  98 anos; trazida por prostração desde ontem. É dependente, mas ajuda no vestir e por vezes trata da sua higiene sozinha. Reconhece os familiares.
TA:148/83mmHg; Temperatura auricular: 34ºC; Saturação de O2: 99%; Frequência Cardíaca: 78 bpm
Responde a questões simples. Diz que tem frio.
2: 83 anos. Acamada. Solteira, Vive com uma sobrinha, que é a cuidadora. Referenciada ao SU por afasia súbita. ...
3: 86 anos. Trazido do Lar por dispneia intensa e febre, com inicio esta manhã.  ...
4: 94 anos. Trazido ao SU por prostração e recusa alimentar ...
5: 33 anos. Obesidade mórbida. Recorre ao SU por dor précordeal ...
n: ...

20:00h. Passou o turno, vestiu-se, pôs o dedo no pontómetro e saiu.
Junto à porta do automóvel notou um pequeno crucifixo, em prata, a brilhar no chão. Olhou em redor e não viu ninguém. Ia metê-lo no bolso quando ouviu uma voz.
- Obrigado! Estou aqui caído há quatro dias! Chamei-te, quando chegaste, mas com a pressa não me ouviste! Estava a ver que ia ser esmagado!".
Hipólito passou o indicador sobre a imagem, como a limpá-la e, no segundo seguinte, viu Jesus sentado a seu lado, no lugar do morto.
- A que devo a tua visita!? perguntou.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Lições de rua


O que a gente aprende nas feiras de Londres

quarta-feira, 22 de março de 2017

quarta-feira, 15 de março de 2017

sábado, 11 de março de 2017

segunda-feira, 6 de março de 2017

Konrad Adenauer


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Na determinação da jovem Alemanha Ocidental de parecer uma sociedade aberta e democrática, todas as portas estavam abertas ao jovem diplomata curioso. Eu podia ficar sentado todo o dia na galeria dos diplomatas do Bundestag e almoçar com jornalistas e conselheiros parlamentares. Podia bater à porta de ministros, assistir a comícios de protesto e sofisticados seminários ao fim de semana sobre a cultura e a alma alemãs, ao mesmo tempo tentando descobrir, quinze anos depois do colapso do Terceiro Reich, onde terminava a velha Alemanha e começava a nova. Em 1961, não era nada fácil. Ou não para mim.

Um ditado atribuído ao chanceler Konrad Adenauer, cuja alcunha era - "O Velho Homem", que deteve o posto desde a fundação da Alemanha Ocidental em 1949, até 1963, resumia concisamente o problema: " Não se deita fora água suja, enquanto não se tiver água limpa!".
...
in "O túnel dos pombos" de John le Carré


mas o mesmo Adenauer que disse “Temos que aceitar as pessoas como são, porque não existem outras!”, também afirmou que "Um método infalível de entrar em acordo com um tigre, é deixar que ele nos devore!".

...  Temos dito!

domingo, 5 de março de 2017

Animais do meu jardim



Nem só de flores se faz um jardim!