terça-feira, 18 de maio de 2021

Inexoravelmente

 

Gosto da palavra inexoravelmente. Nunca a usei, mas gosto! Li-a uma vez num texto apocalíptico (também gosto desta), onde o autor escreveu: “Caminhamos inexoravelmente para a solidão!”, e fique fã.

Por outro lado, não gosto da palavra “nomeadamente”, talvez por a ter ouvido demasiadas vezes na boca dos policiais chamados a comentar na TV. Cá em casa, quando há acidente, crime ou qualquer embrulhada em que vá aparecer um policial no écran, fazem-se apostas de quantas vezes ele irá dizer “nomeadamente”, e quem apostar no duas, o mais certo é ganhar, “nomeadamente” se entrevista durar mais de trinta segundos.

Com “inexoravelmente” é diferente. É daquelas palavras que espera que um letrado a atire para a ribalta, para reviver. É como com as memórias colectivas que só o são quando se batalha para o serem.

Hoje fui à feira comprar curgetes para plantar. Atendeu-me uma jovem campesina, bonita, despachada e de sorriso fácil.
- Donde é que vocês são?, pergunto, enquanto ela revolve a bolsa à procura do troco.
- Somos de Belinho!
- Ah! Da terra do poeta António Corrêa de Oliveira! Conhece?
- Não! Nunca ouvi falar!, responde intrigada.
- Então, se a menina é de Belinho, já deve ter passado pela sua estátua à entrada da freguesia e deve ter frequentado alguma das escolas do Agrupamento de Escolas António Correia de Oliveira!?

Não viu, nem ouviu falar. E a mãe que se aproxima também não conhece. “Não é do seu tempo!”. E continuam a arrumar os tabuleiros com alfaces, pimentos, pepinos e o que mais por ali anda, para dentro do camião, na azáfama do fim de dia.
Vivem em Belinho e não conhecem um dos bardos do salazarismo que habitava a Selecta Literária de Português dos meus primeiros anos do Liceu.

Não perdem nada, mas c’um raio, a freguesia continua a dar-lhe honras. Por favor, … um mínimo de curiosidade.
Aquela quinta murada da família Cunha Sottomayor, com historial desde o século XVI, acolheu o “poeta” e foi centro de intensa actividade social e política. Há benefícios no povoado com o seu nome e forneceu um ministro (José Gonçalo da Cunha Sottomayor d' Abreu Gouveia Corrêa d' Oliveira – 1921-1976) ao Estado Novo (Ministro de Estado Adjunto do Presidente do Conselho, entre 1961 e 1965, e Ministro da Economia de 1965 até 1968)! É certo que se suicidou em Paris, lançando-se do 10º andar do hotel onde vivia, sabe-se lá porquê, talvez por ter sido acusado de envolvimento no escândalo do Ballet Rose, …talvez por causa do 25 de Abril, mas ... foi um filho da terra que chegou a nº2 do país.

Do poeta ficou uma rocha com um bocado de bronze em cima, em forma de cara humana e uns dizeres por baixo que ninguém lê, umas Escolas e umas ruas com o seu nome que ninguém relaciona com a sua fraca obra. Do ministro, nem isso.

Caminhamos “inexoravelmente” para o esquecimento. Quiçá o Ronaldo se safe, “nomeadamente”.

 

domingo, 16 de maio de 2021

O Auto da Compadecida "filme completo"



O Auto da Compadecida é um filme brasileiro. Uma comédia dramática lançada em 2000, baseada na peça teatral Auto da Compadecida de 1955 de Ariano Suassuna
Um monumento cultural do nordeste do Brasil!! 
  

sexta-feira, 7 de maio de 2021

David e Golias

David era o mais novo de 8 irmãos. Era pastor e passava o dia a cuidar do rebanho, enquanto alguns dos seus irmãos se preparavam, no exército israelita, para uma guerra com os filisteus, que possuíam um dos exércitos mais fortes da região.

Todos as manhãs, um enorme soldado filisteu, com mais de 2 metros de altura, armado até aos dentes, saía das hostes inimigas para desafiar num combate singular o melhor lutador israelita. Ao fim de quarenta dias, como ninguém tinha aceite o desafio, David foi ter com o rei Saul e prontificou-se para a luta, unicamente armado com a funda e cinco pedras, como quando protegia o rebanho dos lobos e leões.

A uma distância segura, lançou a pedra com tal pontaria, que a encaixou entre os olhos de Golias, deixando-o no chão inanimado. De seguida, retirou-lhe a espada e cortou-lhe a cabeça.

Segundo o Velho Testamento, o pequeno David, que nem soldado era, venceu o gigante Golias porque o Deus dos Judeus o ajudou. É bom que se diga que, ainda agora, os Judeus se consideram o Povo de Deus. Os outros são gentios, o que, basicamente significa selvagens, gentalha, pagãos, idólatras, hereges, infiéis e por aí fora.

Mas esta história, que glorifica os Judeus e o seu Deus, tem uma versão actual que me seduz por ser mais lógica.

Quem a conta é Malcolm Gladwell.

Tem legendas em português se clicar no ícon.


quinta-feira, 6 de maio de 2021

A tirania da mérito


Estes são tempos perigosos para a democracia. Vivemos numa era de vencedores e perdedores, onde as chances favorecem os que já têm sorte. A mobilidade social paralisada e a desigualdade arraigada desmentem a promessa de que "você consegue, se tentar". E a consequência é uma mistura de raiva e frustração que alimentou protestos populistas, com o triunfo de Brexit e a eleição de Donald Trump.

Michael J. Sandel argumenta que, para superar a política polarizada de nosso tempo, devemos repensar as atitudes em relação ao sucesso e ao fracasso que acompanharam a globalização e o aumento da desigualdade. Sandel destaca a arrogância que uma meritocracia gera entre os vencedores e o julgamento severo que impõe aos que ficaram para trás. Ele oferece uma maneira alternativa de pensar sobre o sucesso - mais atento ao papel da sorte nos assuntos humanos, mais conducente a uma ética da humildade e mais hospitaleira a uma política do bem comum.

Michael Sandel é professor de filosofia política da Universidade Harvard.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Vacinação Covid 19


Tive 2 convocatórias para a mesma hora, em centros diferentes de vacinação. Ordeiramente, fui pela última.
A vigilância estava garantida pela idosa que, imóvel, no seu roupão branco até aos pés, espreitava pela fresta da varanda do 3º andar, com vista para o centro de vacinação do Cerco do Porto.
Já a segurança estaria a cargo do “segurança” que, de pernas abertas, limitava a entrada dos candidatos à vacina, não fora este estar só ali a substituir um colega e não ter nada a ver com aquilo, porque ... ele nem era dali…
Por isso, quando lhe perguntei como devia proceder, limitou-se a dizer que só abria às 8.30.

Mas não havia problema porque a dúzia de pessoas que já estava à porta, cofiando os seus telemóveis e escrutinando por cima dos óculos quem ia chegando, foi logo dando ordens, em tom bem alto e de modo a não deixar margem para dúvidas: - Oh menina! Tem que saber quem é o ultimo!
Ainda arrisquei dizer que todos teríamos hora marcada, mas o ambiente não era propício a ser perturbado por qualquer argumento lógico. Mesmo assim, estava lançado o mote para discursos sobre a falta de organização e os problemas a que cada um tinha assistido em anteriores idas ao centro de vacinação, suponho eu, para espiar, pois íamos todos à primeira dose. Destacava-se, pelo vozeirão, um homem de casaco acetinado preto que, prudentemente, se havia munido de um banquinho desdobrável, não fosse o tempo de espera, em pé, ultrapassar a resistência das suas robustas pernas.

Atrás de mim dois homens mediam-se mutuamente, não já pelos atributos da natureza, performances de caracter sexual ou pela extensão da calvície, como seria de esperar, mas pela comparação da idade e da hora da marcação da vacina:
- O senhor tem prá i 70 anos!? 
- Nãaaao! Tenho 67. E sem doenças! Podia ter doenças, mas não tenho!
- Eu vou fazer 71 e estou para as 8.33!
- Que raio de hora…

Após a abertura dos portões exteriores a acumulação passou para a porta do centro onde as vozes se começaram a elevar…
-Eu estou para as 9h e já aviso que ninguém passa à minha frente…
-Olhem para aquilo …que pouca vergonha…
E o tal segurança não tinha mesmo nada a ver com o que ali se passava e só queria ir para casa.

Quando me apresentei com a minha convocatória à recepcionista, ouvi um “esta não está na lista” e, quando lhe mostrei o telemóvel com a mensagem, disse bem alto que sabia ler e que eu tinha que ir embora.
Até fiquei aliviada. Fui para o outro centro de vacinação para onde tinha sido convocada antes e tudo decorreu com a normalidade que é de esperar, quando não se vai predisposto ao conflito.

Vacina tomada apanho o táxi à porta e o taxista entabula a conversa com um – “Então já tomou a vacina?”
- É verdade…tem que ser…chegou a minha vez…
É então que, despudoradamente, pergunta:
- A senhora quantos anos tem?
- Tenho 68.
- Ahh!, disse ele, num suspiro contido e quase desiludido. - Eu tenho 66! Deve estar a chegar a minha vez…

Os que desconfiam do sistema mantêm-se vigilantes! Onde é que alguma vez um taxista perguntou a idade a uma cliente!!!!

Texto de M.H.S.Gomes