sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Projecto para a nova Casa do Cabo

Tínhamos conhecido o arquitecto Noé Dinis, aquando da compra do nosso primeiro apartamento na Quinta Seca, em Matosinhos. Era um espaço muito agradável, principalmente para quem vem de um T1 com duas crianças pequenas. Simples e amplo, tinha traço de mestre e luz por todo o lado.

Noé Dinis é um homem de histórias e com uma longa história na arquitectura. Um curioso do mundo, conhecedor de várias culturas e dos porquês das construções daqui e dali, com conceitos precisos de como viver uma casa moderna. Mais tarde soubemos que tinha raízes em Afife, onde um dos seus tios foi  estucador. 
Após uma longa visita ao lugar, acordámos em fazer reviver a Casa do Cabo, mantendo o essencial da sua estrutura primitiva: os socalcos, a implantação da casa e dos anexos. Era sua opinião que as memórias deveriam ser visíveis a quem as procurasse, como as linhas dos acrescentos que a primitiva casa tinha sofrido e fez questão em que, durante a construção, ficasse bem patente o que fora  edificado de novo, coisas a que não nos opusemos. 
Noé Dinis passou a ser um amigo. Nos fins de semana seguintes fizemos uma visita a algumas casas por si projectadas e recuperadas, na zona de Guimarães e Braga e, na passagem por Famalicão, percorremos o Parque da Devesa que ele estava a orientar (Filme). Vimos casas que nos pareceram excessivas e outras mais contidas, onde aproveitámos para lhe dar dicas para os materiais a usar, enquanto ele nos forçava na ideia que já tinha para a casa. 
Falámos de tudo. De arquitectura à medicina, passando pela política e pela culinária, tudo veio à baila, para nos conhecermos, de modo a que a casa estivesse em consonância com o nosso estar e, algum tempo depois, sentámo-nos para analisar a sua proposta. 
Aqui vai haver muito sol no verão! A dispensa parece pequena! Onde ponho as máquinas de lavar e de secar? Será que os armários na lavandaria não podem ir até acima. Onde é que se guarda a roupa para lavar? Onde vai ficar o estendal? E que materiais para o isolamento, para o chão, para os quartos de banho? E o jardim? E a garagem? E se vierem visitas, onde põem os carros? ... e mais um sem número de pormenores, até se acordar que se podia andar para a frente e entregar o projecto na Câmara Municipal.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Caça desportiva


Ontem foi o primeiro dia desta época de caça e, das sete às dezassete horas, o meu cão andou com o rabo entre as pernas à procura de local seguro, face à quantidade de tiros que se deram na veiga vizinha. Havia de tudo. Tiros isolados, salvas de dois e até uma arma que disparava cinco ou seis seguidos. Só faltou o som de uma metralhadora. O desequilíbrio de forças é tal que me leva a pensar que qualquer dia há armas a lançar balas com sensores infravermelhos. Depois, é atirar a torto e a direito, que alguma coisa há-de cair, pois o ICNF não tem gente para estar em todo o lado para ver o que cada um apanha ou se anda demasiado perto das habitações. A quantidade de tiros de ontem não me parece estar de acordo com as espécies cinegéticas existentes na veiga, ou então, são necessários quatro tiros para abater um pardal.

Caçar nos tempos de hoje é fácil. Sai-se da cidade num todo-o-terreno topo da gama, com frigorífico para guardar umas bebidas frescas (que o tempo anda quente), veste-se um camuflado e apronta-se uma espingarda de múltiplos tiros e, para compor o cenário, põe-se um atrelado com cães para levantar e apanhar a caça.

Depois, marca-se o almoço, para o tarde, num restaurante típico com a malta do grupo para, no meio dos copos, contar as façanhas da manhã e as das épocas anteriores e volta-se para casa ao fim do dia com o sentimento de ter cumprido “um destino” tão forte como uma ida a Jerusalém nos primórdios das Cruzadas!

Chamam a isto “desporto”. Eu chamo-lhe uma “matança” semelhante à que aconteceu na quinta na Azambuja, a 17 de dezembro do ano passado, e que motivou reacções de quase todos os quadrantes da sociedade.

Nada tenho contra o controle de pragas sejam eles coelhos, javalis ou ratazanas, nem contra a caça em terrenos onde se criam animais propositadamente para esse fim mas, fora destas circunstâncias, só ser proibido caçar os que estão em vias de extinção, parece-me pouco.

Há que controlar este gozo ancestral do bicho Homem em eliminar da face da Terra tudo o que mexe à sua volta! Qualquer dia há mais caçadores que caça. Ponto final!

NOTA: De acordo com as conclusões do projecto de investigação “Violência e Armas ligeiras, um retrato português”, divulgado pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em Maio de 2010, em Portugal, existiam 25 armas de fogo por cada cem habitantes, isto é: um em cada quatro portugueses tem uma arma de fogo, sendo que quase metade delas são ilegais, num total de 2,6 milhões de armas. A preferência vai para as armas de caça. As armas mais apreendidas pelas autoridades portuguesas foram espingardas (46%), pistolas (31%) e revólveres (5%).

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Limpeza da antiga Casa do Cabo

Tenho grande admiração por quem resolve problemas, sem medo de sujar as mãos. Quando os vejo trabalhar, estou atento aos seus gestos na espectativa de um dia precisar deles para solucionar os pequenos desafios que o dia a dia me põe. Tento respeitar a norma de que só abre um relógio quem tem a certeza de o saber fechar, mas as coisas que me parecem de solução simples, fogem a essa inibição e, não raro, meto-me por caminhos sombrios de roçadoura na mão, a fazer cimento ou a tentar resolver uma fuga de água. Também tenho um gosto especial em prolongar a vida às coisas, principalmente quando a nova alma fica adequada aos novos tempos, mantendo a memória do que já foram e, quando compro novo, o mais comum é deixá-lo à vista uns dias (às vezes semanas), para que me habitue à sua presença, antes de o começar a usar.

Ora foi com este espírito que, no ano de 1998, iniciei a limpeza do terreno da Casa do Cabo. Podia ter chamado uma empresa para o fazer. Podia, mas não era a mesma coisa! É como com os automóveis, quem lhes dá o primeiro banho sou eu.

Enquanto aguardava as licenças e se planeava a arquitectura do lugar, aproveitava os poucos tempos livres para limpar a propriedade.
O destino deu-me por ajuda o sr. Catarino. Um alentejano bondoso, calmo, ex-carpinteiro de carroças e ex-mineiro, com solução para todos os problemas que iam aparecendo, chovesse ou fizesse sol.

Comprei corta-arames, alicates, roçadoura, enxadas, sacho, alvião, picareta, foices, gadanhas, forquilha, ancinho, motosserra, machado, fósforos, acendalhas e, metro a metro, fomos roçando o mato, abatendo os eucaliptos e pinheiros para deixar espaço aos carvalhos e castanheiros que lá haviam crescido. Retiraram-se os arames e puseram-se as pedras sobre os muros, enquanto se limpavam os caminhos confrontantes e, quando, a nascente, as botas se enfiaram num lamaçal escondido num monte de silvas e heras, e se descobriu a Fonte Nova, limpou-se o caminho, a mina e o largo, para se entender que havia uma taça onde se dividiam as águas, para consumo da Casa do Cabo e para os tanques que se lhe seguem. O primeiro para o gado beber, o segundo para lavagem de roupa, indo as sobrantes para um tanque dentro dos muros da propriedade.

Perguntei a história da Fonte Nova e concluí que ela também fora fonte de conflitos, noutros tempos. As lavadeiras nem sempre usavam só o tanque de baixo e os animais não bebiam se a água estivesse conspurcada. Um outro atrito teria sido despertado por um dos donos da Casa do Cabo, ao construir uma campânula sobre a taça inicial onde as águas se dividem, com a intenção de evitar que os animais lá pusessem as patas. A “coisa” não terá caído bem a um “freguês” que, a coberto de uma noite de trovoada, a desmoronou à marretada.


Com este historial, e dias depois de alguém ter escrito em cima da bica com letras vermelhas – FONTE NOVA - PUBLICA - J.F., decidi escrever uma carta ao Presidente da Junta da época, pedindo autorização para encanar as águas sobrantes para dentro da propriedade, de modo a se poder andar por ali com os pés secos e, 
futuramente, usar essa água (que se infiltrava no caminho) para regar o jardim que planeava construir. Para minha surpresa a Fonte Nova que estivera ao abandono mais de 14 anos, foi levada à Assembleia da Junta de Freguesia, alegando-se que eu tinha intenção de me apoderar da fonte.
Avisado, fui assistir à reunião, onde, para meu espanto, no meio de uma linguagem povoada de excelentíssimos e excelências, o presidente não lera a carta que lhe enviara e alimentou uma discussão sem pés nem cabeça, com uns paisanos que se encontravam na assistência. Saí a meio. Falei com o meu advogado, que me disse: “Os direitos não se pedem. Exercem-se!” e reconstruí o antigo caminho da água, desactivando a divisão que ia para o alambique e para consumo da casa, por desnecessária.

Ao fim de alguns meses de trabalho nos fins de semana disponíveis, consegui ver o que se tinha comprado e havia condição para o levantamento topográfico.

Topografia era com o meu pai, engenheiro de minas reformado, na altura com 80 anos, cheios de genica e capacidades, que durante a actividade profissional, levantara quilómetros de Alentejo e Serra de Arga, na prospecção mineira. Podia ter recorrido a uma empresa. Podia, mas não era a mesma coisa! Levantou-se o terreno e a casa e entregou-se o projecto ao arquitecto Noé Dinis.