1979 (?)
Um dia chego a casa e a minha mulher convida-me para irmos ao Teatro Experimental do Porto, ver a “Birra do Morto”, com encenação de Mário Viegas.
A sala onde o TEP o apresentava situava-se para os lados do Cinema Trindade numa Colectividade que eu desconhecia.
À chegada, tivemos dificuldade em identificar a bilheteira e já com os bilhetes na mão, questionávamos se naquele espaço, onde grupos de Idosos dispostos em volta de um Bar jogavam à cartas, pudesse haver um Teatro.
Mas como outros deambulavam, com o mesmo ar que nós, a aguardar que uma porta se abrisse e assim se identificasse a entrada da Sala de Espectáculos, confiámos.
Bem depois da hora marcada, apareceu numa das portas o Mário Viegas, com vários “fumos” na mão, para que os espectadores os colocassem no braço em sinal de luto.
De seguida percorremos em fila um longo corredor estreito e mal iluminado, no fim do qual entrámos numa sala onde se dispunham 3 filas de cadeiras em U em volta de uma mesa com um caixão e várias palmas de flores.
O público ficava na sala/palco como que a velar o morto que estava dentro do caixão.
Sentámo-nos na 2ª fila e rapidamente todas as cadeiras foram ocupadas, já que não devíamos ser mais de 100 pessoas.
Iniciou-se então o velório. Tudo em silêncio, a olhar uns para os outros, à espera que a peça começasse. Ao fim de largos minutos neste estar, começaram movimentos e conversas segredadas para os lados, a denotar o desconforto daquele insólito início.
A certa altura, quando eu tentava controlar o riso despertado pelo caricato de toda aquela situação, agravado pelos insistentes pedidos de descrição que a minha mulher me fazia, deparo com uma rapariga do outro lado do U em estado de “riso eminente e incontrolável”, como o meu, que me faz disparar o riso até aí contido.
Para piorar, a senhora que estava à minha frente (mais tarde vim a saber que era a viúva), volta-se para trás e, com ar recriminatório e dedo esticado sobre o nariz, admoesta-me:
A sala onde o TEP o apresentava situava-se para os lados do Cinema Trindade numa Colectividade que eu desconhecia.
À chegada, tivemos dificuldade em identificar a bilheteira e já com os bilhetes na mão, questionávamos se naquele espaço, onde grupos de Idosos dispostos em volta de um Bar jogavam à cartas, pudesse haver um Teatro.
Mas como outros deambulavam, com o mesmo ar que nós, a aguardar que uma porta se abrisse e assim se identificasse a entrada da Sala de Espectáculos, confiámos.
Bem depois da hora marcada, apareceu numa das portas o Mário Viegas, com vários “fumos” na mão, para que os espectadores os colocassem no braço em sinal de luto.
De seguida percorremos em fila um longo corredor estreito e mal iluminado, no fim do qual entrámos numa sala onde se dispunham 3 filas de cadeiras em U em volta de uma mesa com um caixão e várias palmas de flores.
O público ficava na sala/palco como que a velar o morto que estava dentro do caixão.
Sentámo-nos na 2ª fila e rapidamente todas as cadeiras foram ocupadas, já que não devíamos ser mais de 100 pessoas.
Iniciou-se então o velório. Tudo em silêncio, a olhar uns para os outros, à espera que a peça começasse. Ao fim de largos minutos neste estar, começaram movimentos e conversas segredadas para os lados, a denotar o desconforto daquele insólito início.
A certa altura, quando eu tentava controlar o riso despertado pelo caricato de toda aquela situação, agravado pelos insistentes pedidos de descrição que a minha mulher me fazia, deparo com uma rapariga do outro lado do U em estado de “riso eminente e incontrolável”, como o meu, que me faz disparar o riso até aí contido.
Para piorar, a senhora que estava à minha frente (mais tarde vim a saber que era a viúva), volta-se para trás e, com ar recriminatório e dedo esticado sobre o nariz, admoesta-me:
-"Chiiiiiiiu!!!!!!"
Peguei num lenço, assoei-me, ri às lágrimas, num riso desgovernado que em vão tentava disfarçar.
A peça finalmente começou e aos poucos aquela tensão abrandou, o que me permitiu assistir à representação.
A “Birra do Morto” de Vicente Sanches (1973) é uma "Farsa Trágica" cujo personagem principal é um morto que se recusa a ser enterrado, desprezando todos os argumentos que as personagens (o médico, a viúva, o Dono da Agência Funerária, etc.), que já tinham organizado a vida contando com a sua morte, lhe apresentam. No final é subjugado por agentes da Guarda Nacional Republicana e fechado à força no caixão para que tenham lugar as cerimónias fúnebres.
A peça em si não era tão hilariante quanto o seu princípio prometia, mas seguia-se com agrado.
Perto do fim, quando o morto se recusa voltar para o caixão e tenta fugir, alguém chama a GNR para repor a ordem.
Surgem de imediato 2 fulanos vestidos de GNR, perguntam vagamente o que se passa e, sem muitas delongas, desatam a identificar pessoas da sala. Um dirige-se para o cangalheiro e outro vem direitinho … a mim!!!:
-“Identifique-se!” (o fulano deve ter-me visto a rir no início).
Num repente fico no centro de todos os olhos. Embaraçado, levanto-me, procuro a carteira no casaco e topo que não a trouxe. Aflito e com toda a gente à espera do meu desempenho, meto a mão no bolso das calças onde tinha um cartão de visita que um delegado de Informação Médica me tinha dado de manhã e estendo-lho, confiante:
-“Aqui tem!”.
O GNR pega no papel, mira-o de um lado e do outro, fita-me nos olhos e diz-me, com ar autoritário:
- “Isto não é identificação que se apresente! Identifique-se, se faz favor!” Insistiu.
Esgotado nas soluções, ainda tive forças para dizer com voz trémula:
-“É o que tenho!” e … ficaríamos ali num impasse, se a viúva não acorresse em meu auxílio dizendo que eu era “muito amigo da família”, que “confirmava a minha identidade” e que “até punha as mãos no fogo por mim!”.
O GNR olhou de novo para o cartão e depois de me medir de cima a baixo, disse com ar contrariado:
-“Está bem! Se esta Sra. assume essa responsabilidade …!” e para meu alívio, virou costas e foi identificar um dos outros actores, dando assim por terminada a minha meteórica intervenção nos palcos do teatro português.
Peguei num lenço, assoei-me, ri às lágrimas, num riso desgovernado que em vão tentava disfarçar.
A peça finalmente começou e aos poucos aquela tensão abrandou, o que me permitiu assistir à representação.
A “Birra do Morto” de Vicente Sanches (1973) é uma "Farsa Trágica" cujo personagem principal é um morto que se recusa a ser enterrado, desprezando todos os argumentos que as personagens (o médico, a viúva, o Dono da Agência Funerária, etc.), que já tinham organizado a vida contando com a sua morte, lhe apresentam. No final é subjugado por agentes da Guarda Nacional Republicana e fechado à força no caixão para que tenham lugar as cerimónias fúnebres.
A peça em si não era tão hilariante quanto o seu princípio prometia, mas seguia-se com agrado.
Perto do fim, quando o morto se recusa voltar para o caixão e tenta fugir, alguém chama a GNR para repor a ordem.
Surgem de imediato 2 fulanos vestidos de GNR, perguntam vagamente o que se passa e, sem muitas delongas, desatam a identificar pessoas da sala. Um dirige-se para o cangalheiro e outro vem direitinho … a mim!!!:
-“Identifique-se!” (o fulano deve ter-me visto a rir no início).
Num repente fico no centro de todos os olhos. Embaraçado, levanto-me, procuro a carteira no casaco e topo que não a trouxe. Aflito e com toda a gente à espera do meu desempenho, meto a mão no bolso das calças onde tinha um cartão de visita que um delegado de Informação Médica me tinha dado de manhã e estendo-lho, confiante:
-“Aqui tem!”.
O GNR pega no papel, mira-o de um lado e do outro, fita-me nos olhos e diz-me, com ar autoritário:
- “Isto não é identificação que se apresente! Identifique-se, se faz favor!” Insistiu.
Esgotado nas soluções, ainda tive forças para dizer com voz trémula:
-“É o que tenho!” e … ficaríamos ali num impasse, se a viúva não acorresse em meu auxílio dizendo que eu era “muito amigo da família”, que “confirmava a minha identidade” e que “até punha as mãos no fogo por mim!”.
O GNR olhou de novo para o cartão e depois de me medir de cima a baixo, disse com ar contrariado:
-“Está bem! Se esta Sra. assume essa responsabilidade …!” e para meu alívio, virou costas e foi identificar um dos outros actores, dando assim por terminada a minha meteórica intervenção nos palcos do teatro português.
Parece-me que essa breve intervenção na peça foi embaraçosa, mas imagine-se a ir ao teatro A Barraca ver uma outra peça com o saudoso Mário Viegas intitulada " Dissertações sobre o caralho"
ResponderEliminarPois é! Fui com duas amigas ver a dita peça e como chegámos atrasadas, já a peça tinha começado entramos na sala (tudo às escuras) eu ía na frente delas e quando me preparava para sentar na 1ª fila, sou interpelada pelo actor que diz: A senhora que chegou agora e se prepara para sentar... Sabe o que é um caralho?
Atónita com semelhante pergunta, balbuciei, não! Que ingénua!! respondeu-me de seguida. Consegue imaginar a risada que foi??? E o tamanho do meu embaraço?
Beijos embaraçados.
Três raparigas numa peça com um título destes, devem ir preparadas para ouvir de tudo!
ResponderEliminarE se for ruiva e com sardas ...
Ruiva de olhos azuis e com sardas...
ResponderEliminarIa preparada para ouvir de tudo, mas não para fazer parte da peça .
Beijos