segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O Doutor No








Vestia a bata, punha o estetoscópio ao pescoço, mas a mente fugia-lhe para as tácticas, as contratações, os golos e os árbitros.
A Volta, o Hóquei e o Futebol distraíam-no do Hospital, sem que por eles mais tivesse feito, que umas assinaturas a licenciar a prática, e umas colunas quinzenais no Jornal local para criticar, com linguagem arrevesada, o desempenho das equipes da terra.

Era alto e calvo. Caminhava com passos largos, simulando uma diligência que nunca teve, mas que lhe permitia iludir os incautos.
Justificava o ordenado com cumprimentos, conversas de circunstância e idas voláteis às enfermarias, para escrever nos processos “mesmo estado” e os poucos medicamentos que ainda conhecia o nome.

Vivia escondido na responsabilidade dos outros e na ineficiência das direcções, e só ganhava visibilidade quando a sua omissão motivava acções de recurso: hoje um pedido de observação por outro médico, amanhã um familiar a “exigir Alta” para reentrar noutra cama.

Um dia uma enfermeira alertou-o:
- “Oh Dr. No, o doente da cama 3 tinha uma lombriga na cama. Deve tê-la vomitado!”
- “Está bem!”, respondeu e, de imediato, escreveu na folha de terapêutica:
- “Dar remédio das bichas!”
A enfermeira surpresa com o texto, escreve a vermelho sobre ele: “Qual?”
No dia seguinte, o Dr. No, lê e por baixo completa: “Qualquer um!”

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