sexta-feira, 8 de maio de 2009

Avelãs da Ribeira

1968 - Para além das aulas e das horas de estudar, havia outras obrigações. A primeira era o Café, para falar do dia, planear eventos e discutir conceitos, a segunda era ir aos espaços onde o feminino se concentrava para tirar medidas e fixar olhares e, de vez em quando, um jogo de futebol, uma ida ao rio andar de Kayak, um teatro ou um cinema. Nesse dia, no Café, o João chegou com a proposta de irmos passar a Páscoa à sua aldeia. Era um programa. Sair de casa, estar dia e noite com a malta, com hotelaria garantida e conhecer novos sítios. Já não era a primeira vez que as férias da Páscoa eram assim passadas, na casa que um qualquer tio rico tinha fora da cidade, numa espécie de campismo dentro de portas. Era uma oportunidade de aventura, de jogar King pela noite dentro a centavo o ponto, e de fazer história. “E gajas? Há?” perguntámos. Que não! Que a terra era engraçada, mas não se previam raparigas da nossa idade. Garantido estava boa comida e cama para dormir. A coisa alinhavou-se ali num instante. Consegui o carro do meu pai, e dias depois rumámos às Avelãs, numa viagem de curvas, a esgotar a paciência. Chegamos ao fim de um dia sem sol, com o frio a atirar-nos directos para a lareira da cozinha, ladeada por dois escanos, a fazer de mesa. De resto o frio foi uma constante, a obrigar a botijas e barrete para não acordar com o cabelo gelado, e a colocar a roupa no meio dos cobertores para a conseguir vestir no dia seguinte. Depois foram as visitas aos familiares e amigos do João, passando pelas casas devolutas das famílias que se tinham mudado para Lisboa ou para o Porto, e que “este ano se calhar não vêem”. E no meio de um passeio alguém comenta: -“Tu disseste que aqui não havia miúdas! E estas são bem giras?” Como é?! E o João a pôr ordem no sistema: -“A mais alta está noiva de um rapaz de Lisboa e a outra deve ser amiga, porque eu não a conheço. Nunca a vi por cá”. As meninas, também achavam que a vida era melhor vivida se partilhassem as horas com os rapazes e, em dois dias, já havia paixão. Uma paixão de todos os minutos a fazer esquecer o noivado e os jogos de cartas. Aqueles dias de amor impossível passaram-se num fogo, com os altos dos encontros e as dores do afastamento a sucederam-se vertiginosamente e, num instante, havia que regressar ao Porto, numa nova viagem desta vez com a mãe do João, que era uma senhora obesa, com dificuldade na mobilização e com muito medo de todos os perigos. O carro vai cheio de malas, couves, garrafões, mais nós os quatro, e ela lá ao fundo, à janela, depois do último beijo a dizer adeus, com os olhos vermelhos das lágrimas, e o carro a andar devagarinho na subida íngreme. Adeus! Adeus!...., e o Artur a forçar: - “Então, isto não anda? Antes de chegarmos à Guarda tens de meter gasolina!” “Calma! O carro vai carregado e é a subir!”, respondi, enquanto o pensamento teimava em não deixar as Avelãs.

Os Kilómetros até à Estação de Serviço mais próxima, foram lentos e efectuados em 1ª e em 2ª.

Quando o carro se aproxima da bomba de gasolina, o gasolineiro desata aos saltos e aos gritos a dar-me indicação para eu me afastar dali, e eu, sem achar qualquer nexo àquele bailado, a sentir um forte cheiro a enxofre a entrar pela janela. O homenzinho não parava de gritar: “Tire o carro daqui, que me incendeia isto tudo!”.

Só então dei conta que tinha o travão de mão em cima e que a mãe do João entrava em pânico por não conseguir tirar o cinto de segurança. Por fim, o carro parou a fumegar do rodado traseiro, deixando-me sem saber em que pensar, se nas Avelãs, se no carro sem travões, se na mãe do João a dizer que não queria continuar a viagem comigo, se na queda da minha cotação de Às do volante.

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