quarta-feira, 24 de março de 2010

Bullying

Do que me lembro do tempo de Liceu, não foram essas guerras entre alunos. O que me ficou e me pesa, foram os actos de desrespeito para com os bons professores e pela Instituição “Escola”, mesmo tendo sido poucos aqueles que nos deram a sentir que estavam ali para nos ajudar e ser mais comum vê-los como a personificação de uma “ordem” a que nos tínhamos de submeter, sem entender o porquê, o que "licenciava" que lhes expusessemos as fraquezas pelo gosto de nos medirmos. 
- “Eh pá! Hoje entramos na sala com os casacos trocados. Os tipos altos vestem os casacos dos pequenos e vice-versa, a ver o que dá!”, e íamos para a sala apalhaçados à espera que o “Popi” (que havia sido professor do meu pai, e de quem ele guardava as melhores memórias), nos desse pretexto para argumentar uma qualquer razão. Só que o “Popi” não ligava e dava a aula como nada se passasse e, aos poucos, os casacos lá iam voltando aos donos, enquanto ele repetia, perante qualquer interrupção, a sua fórmula mágica: “senta aí, e pouca treta!”. 
- “Eh pá! Hoje na aula de Canto Coral, quem for dar ao fole do órgão, tem de roubar a bengala do Regadas!”, e o pobre tinha que se medir com aquela turba de inquietos cujo primeiro objectivo era a confusão. 
Era um jogo diário, onde as “faltas disciplinares” (três num ano davam para reprovar) obrigavam a controlar os riscos. Nunca na aula de Português, que o Rapa-Côdeas não era para brincadeiras. 
–“Oh palerma! Que nota tiraste no exame?”, e eu a continuar pelo corredor, com o rabo entre as pernas, a fingir que aquilo não era para mim, quando uma mão sapuda me agarra. – “Quanto tiraste?”, e eu a engolir as palavras: - “Tirei 10!”. – “És um bacoco! !”. Aquilo assim no meio do corredor com todos a olhar, sem me deixar explicar que aquelas estrofes dos Lusíadas tinham os versos trocados. 
É disto que me lembro, de ter participado em jogos de desestabilização dos professores mais frágeis como que me vingando daqueles que nos amedrontavam, sempre aceitando como natural todo aquele poder e a nossa reacção a ele.

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