terça-feira, 18 de maio de 2010

Carta ao Costa



Apesar dos teus 78 anos, eu tinha-te por imortal, pelo que a notícia da tua morte me surpreendeu. Felizmente que não foi aqui, onde viveste boa parte dos teus últimos 13 anos, partilhando connosco manhãs, tardes e noites com refeições incluídas, no meio dos “fuminhos para a falta de ar”.
Bateste todos os records: 3 810 vindas ao Serviço de Urgência desde Janeiro de 1997, a uma média de 293/ano. Imbatível em qualquer lugar do planeta e só superada por ti próprio, se formos aos teus registos dos últimos 5 anos, onde conseguiste 2 416 inscrições e a média notável de 483/ano, o que te obrigou a duas ou mais deslocações diárias, num terço dos dias.
Se a estes números, juntarmos o facto de morares a 20 Km do Hospital, e andares de ambulância paga pelo SNS, obtemos um fenómeno merecedor do Guinness. Mas, se alguém fizer as contas ao que custou a tua falta de ar (fruto de muito cigarro e alguma pedra), merecerias novo registo no dito livro, mesmo descontando os 22 internamentos (149 dias) e as 12 consultas a que te conseguiram levar.
Foste um caso paradigmático deste SNS português, onde as portas se abrem sem exigência a doentes, clientes, utentes e seus familiares.
Deixaste livre o cadeirão, onde te encolhias quando me vias, e acabou-se a certeza de te descobrir num qualquer recanto, com a cara de sofrimento que usavas quando não estavas à conversa com o vizinho do lado.
Morreste longe dos médicos, enfermeiros, auxiliares e bombeiros que, por comodismo, te aceitaram o estar, sem um adeus ou um até amanhã, mas merecias a publicitação da tua partida num dos placards do corredor, para que os mais velhos não estranhassem a tua ausência, e os mais novos soubessem que o funcionamento institucional permite alguém como tu.

Fica bem!
Fernando

1 comentário:

  1. Inacreditável. Se não fosse tão trágico, era notável. Pode lá ser?

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