sábado, 29 de maio de 2010

Não ter tempo


Deus me pede do tempo estrita conta!
É preciso dar conta a Deus do tempo;
mas, quem gastou, sem conta, tanto tempo,
Como dará sem tempo tanta conta?

Para fazer a tempo a minha conta,
dado me foi, por conta, muito tempo:
mas não cuidei na conta e foi-se o tempo...
Eis-me agora sem tempo, eis-me sem conta!

Ó vós que tendes tempo sem ter conta,
não o gasteis sem conta em passatempo:
cuidai, enquanto é tempo, em terdes conta.

Pois, se quem isto conta do seu tempo
houvesse feito a tempo apreço e conta,
não chorava sem conta o não ter tempo.


Anónimo

Era este soneto que o meu pai me dizia quando eu queixava de “não ter tempo”.
Raramente lhe ouvia mais que os dois primeiros versos, pois não entendia como dar resposta às múltiplas solicitações, à preguiça e ao medo de iniciar gestos que manifestassem a minha inépcia.

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