domingo, 6 de junho de 2010

O Bernardo




O Bernardo usava calça de bombazina em tons de verde, T-shirts a condizer, botas de caça e uma cabeça tipo Che com sotaque a nordeste transmontano. Nunca o tinha notado até àquela RGA (Reunião Geral de Alunos) o ter atirado para cima de uma das mesas do Bar, uns meses antes do 25 de Abril, quando se agudizaram os conflitos ideológicos entre Maoístas e Revisionistas, na ânsia de influência numa Faculdade que vacilava entre a crítica ao poder instituído e o conformismo com os privilégios de que se sentia beneficiária.

Foi a primeira e única vez que o vi falar em público, porque os nossos caminhos não mais se cruzaram.
Ficou-me a imagem de um rapaz, a dirigir-se a uma jovem audiência, com um discurso de quem quer liderar, e não sabe como.
Dizia ele, enquanto, distraído, fazia subir e descer, repetidamente, o fecho-éclair das calças:
- Camaradas! Nós temos de tomar medidas! Mas quais? … Não sei!

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