sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Um desabafo

Quando o SNS universal e gratuito, dava os seus primeiros passos e se media com um significativo incremento de doentes, um dos grandes problemas do Serviço de Urgência, era a escassa e morosa disponibilidade de meios auxiliares de diagnóstico, efectuados maioritariamente por processos manuais.
Na "Triagem", havia que ser comedido, pois do outro lado estava um médico que facilmente se “afogava” se não houvesse contenção, o que era perceptível pelo atraso das suas respostas. Em tais circunstâncias, se me era imperiosa qualquer análise, ia em mão entregá-la e justificar as razões.

Nesse dia levava um frasco de urina. Assomo à porta do Laboratório, meio a medo, e deparo com as costas do analista debruçadas sobre a banca de trabalho
- "Dr. Silva! Posso?", digo, a tentar medir-lhe a disponibilidade.
- "Diga, que eu já tenho aqui que fazer até à noite!", responde, sem levantar os olhos do microscópio, enquanto com a mão direita continuava a clicar no contador de células.
- "Dr. Silva! Eu vejo que isto aqui está complicado, mas tenho um doente lá fora, cheio de febre, que penso ter uma infecção urinária. Será que daria para fazer um sedimento urinário?", arrisco a pergunta, adocicando a voz, o mais que posso.
- “Outro? Na última hora é o quarto que pedem!”, responde, mal-humorado. "Pouse aí na bancada, e prepare-se para esperar!" E num desabafo de desespero, completa:– “Sabe! Isto aqui é um Laboratório! Não é um Mictório!”
- “Obrigado! Dr. Silva! Eu vou ver se este é o último de hoje!”, e saí meio a rir, meio aliviado por a conversa ter ficado por ali.

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