terça-feira, 29 de maio de 2012

Remédios caseiros

- Espere um pouco, Dr.!, dizia de olhos postos na televisão, enquanto sustinha a conversa, à mesa do café.

- Aquele que está ali a ser entrevistado, foi meu colega de quarto quando andávamos na faculdade. Era completamente descabelado. Tinha a mania das partidas e elas surgiam quando menos se esperava.
Um dia de verão, íamos pela Avenida da Boavista, no Porto, quando ele decidiu que havíamos de apanhar o eléctrico. Àquela hora eles iam cheios de gente que vinha das praias e, antes de entrar, avisou logo que ía arranjar lugar sentado.
Quando conseguimos chegar à zona das cadeiras, ele começa a revirar os olhos, dá um grito rouco e põe-se a estrebuchar com uma perna e um braço e a espumar pela boca, atirando-se de modo a cair-me nos braços.
Aquela malta que estava ao lado abriu logo espaço e um fulano que ia sentado levantou-se para lhe dar o lugar, enquanto eu, tão espantado como os outros, dizia “Isto passa-lhe! Já é costume! Não se preocupem!”. Foi do que me lembrei, quando vi toda aquela gente a olhar para nós. Mas o tipo, feito macaco, já sentado, continuava com aquilo como se estivesse com um ataque epiléptico. A certa altura um outro que ia connosco, e que era tão fresco como ele, aproxima-se e diz: “Ponham-lhe uma chave na mão que isso passa!”. Não sei onde é que ele foi buscar aquele “remédio caseiro”, mas o certo é que de imediato apareceu alguém que lhe pôs um molho de chaves na mão. Aí ele começou a abrandar os movimentos, numa cadência mais lenta, e num dos últimos abanos, atira as chaves pela janela fora, com o eléctrico em andamento.
Havia de ver o dono das chaves a correr pelo eléctrico fora, a tentar localizar onde é que elas tinham caído. E ele sempre imperturbável a dar sinais de voltar à realidade, a dizer “Já estou melhor, obrigado! Acho que me esqueci de tomar os comprimidos!”, e depois para mim: “É aqui que saímos?”. E fomos por ali fora, perante a estupefacção geral.
Acho que se formou em engenharia. Mas não sei se alguma vez exerceu. Ele era de família abastada. Isto deve-se ter passado por volta de 1960.

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