quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O envelope vermelho

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-Noc! Noc! Dá licença?
-Faz favor, Sr. Manuel!, respondo ao reconhecê-lo.
 Entra seguido do guarda prisional. A dois passos da porta, estende-lhe os braços para que lhe tire as algemas e dirige-se à secretária onde estou. Senta-se ao meu convite.
 Veste uma camisola castanha e calça e camisa beije claro. Nos pés as sapatilhas não destoam.
 O guarda, junto à porta, pergunta se pode permanecer na sala.  Perante a minha anuência, encosta-se à porta. Sugiro que se sente. Arrasta uma cadeira e senta-se à entrada do consultório.
 O Sr. Manuel ajeita-se repetidas vezes na cadeira, enquanto de soslaio o  tenta localizar nas suas costas. Tem 41 anos, envelhecidos pela vida e pelas doenças. A falta de todos os dentes é um testemunho desse percurso. Já andou por outros hospitais. Chegou aqui, há pouco menos de 1 ano, com mau controlo das infecções.
Verifico que a consulta não foi validada e questiono o guarda:
- Alguém vai ter que ir aos serviços administrativos registar esta consulta, para que eu lhe possa dar continuidade!
O guarda expressa embaraço pela impossibilidade de o deixar sozinho comigo. Sugiro que chame a auxiliar, que está no corredor, para que seja ela a efectuar esse procedimento. Abre a porta para a chamar, e o Sr. Manuel, aproveita o momento para, furtivamente, levantar a roupa, junto ao abdómen, e tirar de junto à pele um envelope que rapidamente coloca na secretária, ao pé de mim. Surpreendida com o gesto, mas solidária com a "intimidade" de quem muito me contou, empurro-o, suavemente, para debaixo do teclado do computador, aceitando o seu jogo.
O guarda reentra e ele ainda está com as fraldas descompostas. Para evitar embaraços, finjo continuar um interrogatório:
-Mas diga, Sr. Manuel! Tem tido dores de barriga!?
 A consulta prossegue. As análises estão quase normais. O Sr. Manuel está feliz. Marco nova consulta e despeço-me.
O guarda arruma a cadeira e dirige-se à porta para a abrir. Nesses pequenos segundos,  a que ele está atento, volta a sinalizar sub-repticiamente o envelope que deixou, e diz-me:
 -Isto é para lhe agradecer o que eu estou!
Depois sai com o ar de quem cumpriu um dever.
Abro o envelope vermelho. Tem um postal de Boas Festas e, dentro deste, a carta:
História de A.S.

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