Um: Tem 66 anos. Vem referenciado pela Segurança Social por "situação de quase indigência". Tem uma boa reforma e junto à residência tinha o Jeep de grande cilindrada, que até há pouco utilizava. Há meses que não paga a renda da casa e o salário à mulher a dias, que já só lá vai "por caridade", três vezes por semana, fazer-lhe umas refeições quentes.
Fala em três casamentos. Do primeiro teve quatro filhos que o rejeitam. Do segundo, de curta duração, teve outro, mas perdeu-lhes o rasto há mais de vinte anos. O terceiro, com uma asiática, arranjado na Internet, também deu para o torto em pouco mais de um ano. Pelo caminho diz ter vivido com outras mulheres, algumas com nomes sonantes. Agora, sem família e sem amigos, decidiu dedicar-se aos cães. Fala em sete. Mantém um discurso de grande exigência para com o interlucotor. Já não é quem foi e agora, com a doença a debilitá-lo, aceita parte da realidade.
Dois: Tem 57 anos. Bem vestido e bem falante. Esta noite veio dormir ao Serviço de Urgência por não ter mais onde. Come numa cantina social dependente de uma Igreja. Dizem-me que tem um curso superior, que ocupou lugar de relevo numa instituição pública e que, apesar do tribunal lhe reter parte do ordenado para pagamento das dívidas, o que lhe sobra daria para uma vida "normal". Teve dois casamentos "que correram mal" e viveu em união de facto outras duas vezes. Os filhos há muito que o ignoram. Diz que está à espera da reforma. Nega alcoolismo ou toxicodependência, o que confirmo. Hoje queria ir dormir ao GAF, mas chegou tarde. Mete a mão ao bolso das calças e mostra 5 Euros. -"Sr. Dr.. É todo o dinheiro que tenho! Onde é que eu vou dormir esta noite?". Ao lado dizem-me que recebeu recentemente 1.500 Euros do ordenado.
Três: Tem 47 anos, solteira, sem filhos. Fez o 12º ano. Activa, de "baixa" há 3 meses, por alegados problemas osteoarticulares. Vem por verbalização de ideação suicida. Tem postura altiva, com tom de voz vagoroso. Sedutora. Por vezes teatral. Distante no contacto.
Teve relacionamento amoroso durante 15 anos. Tentou engravidar sem sucesso. O companheiro faleceu após a separação. Voltou a ter outros relacionamentos. O último causou-lhe muita ansiedade e, nesse contexto, abusou de ansiolíticos e de álcool. Ele era casado e voltou para a esposa por razões económicas/familiares. Ainda se continuam a encontrar em segredo. Pede muito para a porem a dormir. Fala do pai que faleceu quando ela era ainda jovem. Quer morrer para ir ter com ele.
Um: Uma Perturbação de Personalidade a percorrer toda uma vida sem diagnóstico, com espaço para fazer mal a quem esteve próximo e a si próprio. Um companheiro da tropa na Guiné, não se espanta: "Ele sempre foi um excêntrico!"
Dois: Uma Hipomania com diagnóstico tardio, depois de muita destruição de património pessoal e do Estado.
Três: Talvez só uma Má Sorte!
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