sexta-feira, 12 de abril de 2013

As cinzas

Eles não eram de cá. Tinham estado emigrados em França e compraram aqui um terreno vai para uns trinta anos. Fizeram uma grande casa, casaram a filha, e ficaram todos a viver nela.
Há quatro anos, quando o velho morreu, a velhota floriu. Pinta o cabelo, arranja as unhas, pôs-se toda gaiteira e passa a vida no laréu. Até aprendeu a conduzir! Ela deve ter sessenta e poucos.
O velho era uma pessoa "normal", embora com fama de forreta. Mas, dentro de portas, a julgar pelos factos, não deve ter sido bom de se assoar. O corpo foi cremado no Porto e, não sei porque carga de água, trouxeram as cinzas e colocaram-nas num móvel da sala e agora ela, quando está mais eufórica, “informa-o” da sua nova vida.
No outro dia, à refeição, virou-se para lá e disse, com ar provocador:
- Olha! Estou a comer bife! E do caro!
E de outra vez, depois de se ter alindado, estendeu as mãos na sua direcção a menear-se e, numa de libertação, esclareceu-o:
- Olha! Fui à cabeleireira! ... E pintei as unhas! Olé! ...
...
E o velhote sem poder dar voltas na tumba! Já viste!?

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