terça-feira, 22 de outubro de 2013

António Arnaut

In Jornal Médico de 27-09-2013

SNS à mercê de uma oligarquia financeira sem rosto que controla o Governo e a Lei

"Tenho de vos dizer, sem rodeios nem eufemismos: há em Portugal certa gente que, servindo certos interesses, quer destruir o Estado Social e fazer da Saúde um negócio, parasitando e degradando o SNS até o reduzir a um serviço de tipo assistencial para os mais pobres". A acusação é de António Arnaut e foi feita hoje em Lisboa, na sessão de abertura do 1º Congresso do Serviço Nacional de Saúde "SNS - Património de Todos", que contou, entre outras figuras-chave do sector, com a presença do Secretário de Estado da Saúde, Manuel Teixeira.
Ressalvando nada o mover contra o sector privado, que "deve desempenhar um papel importante na prestação de cuidados", Arnaut alerta para o que considera ser "o engodo da livre escolha" que está a ser utilizado para "obter um novo financiamento do Estado para salvar certas unidades em situação deficitária, que não têm procura para a capacidade instalada". Apoiando-se em números divulgados pelo nosso jornal, o antigo ministro dos assuntos sociais do segundo governo constitucional, avançou com dados concretos que no seu entender sustentam a acusação: "O sector privado já é hoje financiado em 30% pelo SNS, através do SIGIC, das convenções e dos subsistemas de saúde. Acresce que a ADSE lhe pagou, em 2011, conforme reconheceu a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, 492milhões de euros".
Segundo Arnaut, os ataques contra o SNS não são de hoje: surgiram logo que foi anunciada a sua criação"... Sem no entanto terem surtido efeito, dados os bons resultados alcançados, "à dedicação dos profissionais, ao apoio dos portugueses, das forças progressistas, e até da direita que preza a doutrina social da Igreja. Apoios que fizeram do SNS "o melhor serviço público português" que permitiu ao nosso país um "lugar cimeiro na efectivação e na qualidade dos cuidados de saúde, com uma despesa per capita das mais baixas da Europa".

A investida neoliberal

Se ao longo dos seus já 34 anos de existência o SNS sempre resistiu aos ataques de que foi sendo alvo, hoje enfrenta a investida de um inimigo com poderes reforçados, aponta o co-fundador do Partido Socialista: "a direita dos interesses, aproveitando os ventos neoliberais que sopram da Europa". Um inimigo que segundo o advogado "não desistiu do seu projecto de destruição do Estado Social de que o SNS é a trave-mestra", apontou, para logo acrescentar: "os privilegiados e o grande capital pensam que o mundo é a sua coutada e os trabalhadores e os pobres o seu rebanho.

Luta de classes... Pelo Estado Social
Para Arnaut, a luta de classes continua a existir, sendo o objecto que divide os beligerantes, a vontade da maioria de construir um Estado Social de Direito. Para Arnaut, o Estado Social "é a democracia vivida na sua tripla dimensão política, económica e social, que faz do indivíduo uma pessoa, da pessoa um cidadão livre e do cidadão um elo activo da mesma comunidade fraterna.
Para o antigo responsável da pasta da saúde do segundo governo de Mário Soares, "a luta de classes continua a existir, já não entre senhores e servos, aristocratas e plebeus, patrões e operários, mas entre as duas classes a que o capitalismo selvagem reduziu a nossa sociedade: os magnatas da alta finança e seus serventuários, e a generalidade dos cidadãos que vive do seu trabalho ou da sua reforma". Segundo Arnaut, o que existe hoje é um "interclassismo nivelador, com a progressiva extinção da classe média, a precarização do trabalho, a redução das prestações sociais e o empobrecimento geral, face a uma oligarquia financeira sem rosto nem rasto, que criou paraísos fiscais e outros caminhos de fraude". Uma criação só possível, afirma o advogado, através do controlo dos governos e da produção legislativa. "Há, como sabemos, um sistema de vasos comunicantes, entre os governos e os grandes empórios que, além de lesiva para o bem-comum, se tornou obscena e mesmo insultuosa, porque parece, às vezes, que são todos da mesma família", acusa.
Na pirâmide de culpados pela investida contra o Estado Social e assim contra o SNS, António Arnaut encontra, no vértice, a União Europeia, à qual acusa de ser a cúpula do neoliberalismo desbragado "reduzindo os cidadãos a meros consumidores, mercantilizando a vida e capturando a soberania dos estados com as suas directivas encomendadas pelos grandes grupos económico-financeiros".
Sem papas na língua, o antigo governante acusa: "Portugal está a ser vendida a retalho às multinacionais e a gente sem escrúpulos, por vezes mesmo, aos especuladores que causaram a crise e agora se locupelam com o património dos países em dificuldade, sem compaixão nem vergonha". Para Arnaut, "são estes especuladores que querem destruir a escola pública, a segurança social e o próprio SNS, privatizando os direitos sociais."

Taxas moderadoras... Imorais
Referindo-se às taxas moderadoras, António Arnaut considera que estas alcançaram um valor que dificulta e impede o acesso universal dos cidadãos aos cuidados de saúde. E depois, aponta, a sua aplicação conduz a violações grosseiras dos princípios humanistas que orientam o SNS. Em Lisboa, Arnaut apresentou dois exemplos dos efeitos negativos do valor excessivo das taxas moderadoras: "Uma urgência num hospital central paga 20 euros de taxa, podendo alcançar os 50 no caso de exames auxiliares de diagnóstico. Sei de hospitais privados que fixaram em 40 euros o preço de uma urgência, incluindo uma radiografia ou equivalente. Este facto, conjugado com a subida generalizada de todas as taxas moderadoras e a criação de novas taxas, provocou uma significativa redução da procura das unidades do SNS e fez aumentar a procura do sector privado em números preocupantes".
O segundo exemplo apresentado pelo fundador do SNA é, segundo o mesmo, ainda mais chocante: "diz-me pessoalmente respeito, mas é claro que não a refiro por mim, mas por causa daqueles que não têm voz e me pedem que denuncie esta grave injustiça. Até à publicação do DL 113/2011, os doentes oncológicos beneficiavam de isenção geral de taxas moderadoras, mas agora só estão isentos nos tratamentos de quimio e radioterapia. Quando fazem outros tratamentos ou vão a consultas específicas da própria doença pagam a respectiva taxa, salvo se estiverem isentos por carência económica ou solicitarem ao centro de saúde uma junta médica que lhes atribua uma incapacidade igual ou superior a 60%".
Para Arnaut, para além de chocante, esta situação "revela uma incompreensível desumanidade e rompe com o conceito de taxa moderadora".

A desumanização alastra...
Na Aula Magna, em Lisboa, António Arnaut apontou também exemplos do que diz ser a desumanização que vai alastrando, como doença crónica, no SNS. "há hospitais onde os doentes se amontoam nos corredores, outros que não administram certos medicamentos e há terapias para o cancro recusadas no SNS que são pagas na ADSE em hospitais privados.

O défice não é culpa do Estado Social
Citando a obra "Quem paga o Estado Social em Portugal", coordenada pela historiadora Raquel Varela (Bertrand, 2012), António Arnaut afirma: "os défices dos Estado não podem ser imputados aos gastos sociais e na maioria dos anos há mesmo um excedente, porque os trabalhadores entregam mais ao Estado do que recebem dele". Para o antigo ministro, os défices devem ser procurados "na corrupção, no desperdício, nos negócios ruinosos como as PPP e os SWAPS, nas isenções fiscais privilegiadas, como os fundos de investimento imobiliário, na fuga à tributação para paraísos fiscais e até para a Holanda e Luxemburgo, países membros da União Europeia, de cerca de 30 mil milhões de euros por ano".

Estimular os profissionais
Estando convencido de que a sustentabilidade do SNS é, não um problema financeiro, mas, isso sim, político, António Arnaut deixou em Lisboa alguns conselhos: "Se a carreira dos profissionais de saúde for garantida, mediante boas condições de trabalho, estabilidade, formação permanente remuneração condigna, talvez se consiga, sem aumento de despesa, trazer gradualmente para o regime de exclusividade a maior parte dos trabalhadores do SNS, melhorando a qualidade e a produtividade, sobretudo se forem concedidos, além dos justos incentivos materiais, o reconhecimento moral pela relevante função que desempenham". E que forma poderia assumir esse reconhecimento? Arnaut deixa uma ideia: um profissional que se tenha dedicado 20 ou 30 anos ao SNS, com assiduidade, competência e devoção, devia ver publicamente reconhecido o seu mérito e a gratidão do Estado. Um diploma de honra poderia constituir uma forte motivação moral".

3 comentários:

  1. O ministro da Saúde neste ambiente de catástrofe, gaba-se de terminar o ano com a dívida historicamente mais baixa do SNS. Pois que com dívidas os seus amigos dos bancos ( ou também não terá amigos...?)não estariam interessados em ficar com os hospitais e centros de saúde!

    ResponderEliminar
  2. este prócere da "saúde á la carte"devia vir á princesa do Lima ver como a cardiologia deste ULSAM despilfarra meios, tratando doentes moldavos (que nem cá moram) mas a quem os tansos do SNS oferecem marcapassos e desfibriladors intracorporais a custo zero. Aposto que quando a velha voltar para a terra dela o SNS moldavo ou bulgaro lho vai sacar para meter em gente mais jovem. Tudo isto á custa dos tansos lusitanos

    ResponderEliminar
  3. Caro Gouvim:
    Eu já comentei esse caso que refere, e também já fiz aqui críticas a quem usa o SNS para sua projecção pessoal.
    Eu creio que é possível uma gestão eficiente do SNS, pese embora ele tenha sido também tomado pelos Partidos e pelos grandes grupos económicos que puseram os gastos "fora de controle".
    Aqui, como em geral no país, nunca se responsabilizaram as chefias pelas suas opções. Nunca se premiou quem tentou controlar gastos e pelo contrário, o prémio foi para a "Maria vai com as outras".
    Mas o conceito é válido e deve ser melhorado dia a dia, correndo com os corruptos e com os vaidosos.

    ResponderEliminar