terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Assédio


Assédio, assédio! Assim com letra grande, … nunca. Nunca senti esse tipo de cobiça por detrás de um olhar de uma mulher. Sou homem. Não é suposto ser alvo, principalmente quando se anda com arco, flechas e um chapéu com uma pena. 

Viro-me para o lado e pergunto. E tu? E ouço-lhe a história de uma vez, em que a sorte lhe levou quem não preenchia requisitos.

Primeiro foi uma vez, e uma vez é nunca, como dizem os alemães e eu concordo. Depois, porque ser vítima de uma "madame" vinte anos mais velha, pletórica, de cabelo empastado e hipertensa é filme de terror, que não deve ser automaticamente incluído nesta categoria. 

Conta ele uma novela de seis visitas, de roupas às cores e rendas dos anos trinta, de cheiros a naftalina e adereços rebuscados do fundo de baú. Um cio tardio de solidão. O último uivo de uma alma reprimida, de uma vida iniciada com fogos de artifício. Casa de brasão. Nome de seis apelidos. Sons de Marinha e de Exército. Anos a aprender as coisas de mulher. Orações, confessos e recato. Uma prenda esquecida no canto do salão, até o desespero lhe propor jogar o ás de copas, naquele dia tão lindo sem uma nuvem no ar.

Era Abril. A mãe junto a Deus, o pai em viagem, a irmã nas lides domésticas. Duas horas mortais.
A igreja a três passos. A lembrança da homilia. Uma rosa no cabelo.
-Sr. Padre!

Depois, o hall de entrada e ele ali à mão. O rubor a subir, o corpo a tremer, as palavras mil vezes languidamente pensadas ditas de uma vez.
De repente, uma outra porta que se abre. A irmã!.

- Carlota! Foi o sr. Padre que me chamou!
-  Lucinda! Foste tu que me seguiste! 

O resto da vida marcada pelo ferrete daqueles instantes. Os meses a agravar a desavença. A solidão partilhada naquele casarão a degradar-se. Os anos num triste fio de rotinas, até medir a tensão e lhe dizerem que estava alta.

Uma consulta, duas consultas, … seis consultas. A história a repetir-se.

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