sábado, 28 de fevereiro de 2015

Eu sou do tempo



Dos automóveis pelo eixo da via.
Dos cantoneiros a cumprimentar os carros que passavam.
Dos homens de chapéu.
Das mulheres não usarem calças nem tomarem a pílula.
Do telegrama para notícias de emergência.
Dos pombais para o arroz de borrachos.
De não se servir cerveja sem acompanhamento.
De comer pinhões com chave para os abrir.
Do fazer a barba com navalha.
Do banho semanal.
Dos burros de carga e das carroças dos ciganos
Da ceifa e da monda à mão.
Dos ferradores no centro da cidade.
Das licenças de isqueiro e dos cigarros avulso.
Dos cadernos de duas linhas e do papel mata-borrão.
Das cartas-de-amor e das contas em papel.
Da lei a proibir andar descalço na cidade e do penico no quarto de dormir.
Das reguadas e dos puxões de orelhas.
Das vendas a granel e dos cartuchos nas mercearias.
Dos urinóis públicos de ferro no centro das cidades.
De ser o menino Jesus a dar as prendas do Natal.
Dos bebés virem de cegonha de Paris.
Da verdade só ser uma e da Rádio Moscovo não falar verdade.
Da Emissora Nacional e do Rádio Clube Português.
Da paralisia infantil e das mortes por apendicite.
Dos cigarros "não fazerem mal".
Do beber vinho ser dar de comer a um milhão de portugueses.

Tão depressa que o tempo passa

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