sexta-feira, 24 de julho de 2015

A dona Gracinda



A dona Gracinda escreve todos os dias. Vai a meio do caderno. Também gosta de agrupar moedas, umas em cima das outras, e das suas três bonecas. Para o Hospital só trouxe uma.
Vive acarinhada pelas irmãs mais novas. Uma meningite, na infância, limitou-a. Se lhe perguntarem a idade dirá, depois de muita insistência, um ou quatro, que são os números que conhece.

Há bem pouco tempo seria “medicamente” classificada como uma “imbecil” (do lat. “imbecillis”- ‘frágil’, ‘débil’, ‘vulnerável’) e não uma “idiota” (do grego idhiótis, um cidadão "privado" –usado depreciativamente, na antiga Atenas, para se referir a quem se apartasse da vida pública), por ter tido capacidade para adquirir linguagem falada e um desenvolvimento intelectual que permite um mínimo aprendizado, como o de conservar a capacidade de obedecer a ordens e cumpri-las de forma satisfatória.
Era assim a Tríade da Oligofrenia (do grego - olígos, «pouco» + phrenós - espírito, mente; inteligência): debilidade, imbecilidade e idiotia, onde a Debilidade representa o grau ligeiro, sem grandes prejuízos para a capacidade socializante dos portadores, que, no entanto, apresentam capacidade de julgamento perturbada e dificuldade em se adequar a novas situações.
Embora estes termos tenham sido tecnicamente substituídos por “cidadãos portadores de deficiências”, o seu futuro nunca deixou de estar coberto de nuvens negras, principalmente, como agora em Portugal, devido à emigração maciça de jovens com formação média/superior, à progressiva diminuição de recursos afectos às áreas da Saúde e à diminuição dos recursos das famílias.

A manterem-se as “regras” que Bruxelas impõe como “inevitáveis", que tendem a ignorar quem está fora da “máquina produtiva”, tudo se conjuga para o seu regresso à precariedade de uma institucionalização, mesmo para quem tenha irmãs com o grau de disponibilidade da dona Gracinda!

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