domingo, 31 de janeiro de 2016

Lar Lembranças do Olimpo (10)


Hipólito, pensava: -“É por baixo das grandes pedras que se escondem as maiores cobras!”. Estava ele ali a tomá-los por bem intencionados e, de um momento para o outro, via-os a planear oportunidades para cataclismos, com a maior desfaçatez.
Morava a menos de 1Km do mar, a uma cota de 36 metros. Será que não o poupariam e que todo o recomeço teria por base a gente do interior ou com um HLA favorável a uma resposta imunológica rápida àquelas infecções, quando seria expectável que fossem os mais inteligentes os favorecidos?
Nem sequer decidiam. Punham tudo na mão do Destino. 

Vindo do oriente, o carro dos corcéis negros, aproximava-se em alta velocidade. Hades de cabelo ao vento e Tártaro de asas coladas ao corpo semelhavam um meteorito. Pararam no terreiro levantando uma imensa nuvem de pó.

Hera e Zeus, que entretanto chegara, saíram a recebê-los.
- Oi! Galera! Que tal a viagem! Valeu a pena?, perguntou Zeus, afastando a poeira com um gesto.
- Deu para a despesa, Mano!! Estávamos à espera de um atentado num casamento. Coisa para 300 de uma só vez, mas acabámos num naufrágio no mar Egeu. Tivemos de nos mover rápido. A marinha grega ainda salvou alguns. Morreram duzentos e cinquenta. A maioria  católicos e muçulmanos. Para nós só vêm trinta. São de crianças e de quatro adultos com défice cognitivo.

Hipólito, chegou-se à frente e atreveu-se a perguntar.
- Então há mais deuses, por lá, à cata de almas?
Hades respondeu: - Eles mandam para lá os anjos para as recolherem. Quem está a levar o maior quinhão são os católicos, porque muitas almas acreditam que, se no último minuto, se arrependerem, lhes vai acontecer como ao “bom ladrão” do Evangelho de Lucas.
Nós falamos-lhes na reincarnação. Se eles estiverem de acordo, o Hermes encaminha-os para o Radamanto. Só depois é que são preparados para a viagem. Você sabia que uma bigorna de bronze a cair do céu demora nove dias a alcançar a terra e outros nove até ao Tártaro?

O médico estranhou. – Então o Hades não é todo igual?
- Não! Para os Campos Elíseos vão os heróis, os santos, os sacerdotes e os poetas. A maioria fica no Hades e os maus vão para o Tártaro para serem atormentados. O Tártaro está coberto por três camadas de noites a que se segue um muro de bronze, sem nenhuma abertura. É húmido p’ra chuchu. Péssimo para o reumatismo!
- Então é um Inferno!!, concluiu Hipólito. – Vocês sabiam que o Papa João Paulo II fechou o dele em 1999, e que substituiu o fogo e o enxofre por uma “percepção consciente de rejeição” onde se passa a eternidade separado de Deus?

Tártaro, que até aí se mantivera calado, abriu as asas, deu dois passos em frente e, ignorando Hipólito, dirigiu-se a Zeus:
- O que é que este cromo anda aqui a fazer? Já é a segunda vez que o encontro dentro de casa. Se ele volta a questionar o que quer que seja, sobre a minha actividade ou a estabelecer conceitos morais, frito-o lá em baixo no primeiro caldeirão que encontrar. Em vez de o ouvires, melhor era que viesses  comigo arranjar o poço do Tântalo que está entupido. Qualquer dia chega à água e mata a sede!

 O clínico, encolheu-se atrás de Hera, esperou que ele desaparecesse pelo chão e agradeceu.
- Dona Hera. Vi o caso mal parado! O tipo tem mau feitio!. Eu não o quis ofender. Só perguntei porque, actualmente, as religiões estão a abandonar o paradigma do castigo eterno e a adoptar soluções menos drásticas, como a reencarnação num ser mixuruca, para o obrigar a voltar atrás na evolução e ter de se esforçar vida a vida até ao Nirvana.

- Eu percebi a sua perplexidade. Mas neste momento é isto que temos. Há projectos mais ecológicos para implementar no Inferno, mas obrigam a outras infra-estruturas e a uma organização significativamente diferente.

Entretanto Zeus, que ouvira o diálogo, quis completá-la.
- Se ficarmos por cá, o projecto é o da reencarnação para todos, na hora e no ser que foi mais prejudicado pela alma em questão. Por exemplo, aqueles que maltrataram os animais, irão encarnar na maior vítima das suas sevícias. Os banqueiros corruptos irão trabalhar arduamente ao preço de um salário mínimo. O pessoal de saúde displicente irá sofrer de doença prolongada que obrigue a múltiplas consultas e tratamentos. As dondocas vão ver-se uns “escronhos” sem solução pela cirurgia plástica, e por aí afora.
Como não podemos meter gente de fora, vamos ter de dar formação aos deuses do submundo. É esse o problema. São deuses à moda antiga, que gostam de dar uns cachaços e, nestas coisas, há que ter subtilezas. Tem de parecer tudo natural. Manter a expectativa e quando eles pensam que a coisa vai melhorar – Bumba! Mete-se-lhe o testículo na ilharga! Mas adiante, que ainda há-de passar muita água por debaixo das pontes, até esse dossier estar concluído.
Dr. Hipólito, vamos a coisas práticas. Quer vir connosco jantar umas favas com chouriço a Viana do Castelo, à “Porta 93” ?

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