sábado, 13 de fevereiro de 2016

Lar Lembranças do Olimpo (11)



Hipólito seguiu-os sem ter ouvido o convite. Dionísio tinha a porta da rua aberta e, no interior, pisava uvas na companhia de Pã.
Zeus cumprimentou-os.
- Então este ano vamos ter bom vinho ou vai ter de ser aromatizado com resina de pinheiro?
Pã, levantou a sua cabeça de bode e respondeu:
- Este ano a pinga vai ser de estalo. Quando chegar o São Martinho, se o Dionísio lhe der classe A, fica metade para nós e o resto vende-se aos chineses de Xangai, que eles não olham ao dinheiro. Se for como o de há dois anos, vai acompanhar à maravilha um queijo de Azeitão com pão do Alentejo. Qual Douro, qual Bairrada!
Zeus riu-se. Aquele fruto do seu amor pela cabra Amalteia, sua ama-de-leite, com aqueles cornos e patas iguais às da mãe, tinha um ar gaiato, embora os humanos entrassem em pânico se o viam depois do pôr-do-sol.
- Queira Zeus! Que é como quem diz, queira eu acordar para o lado certo, e esse vinho vai ombrear com os Bordeaux! Vocês não tiveram sorte com o do ano passado. Esse foi todo apara os plebeus!

Entraram de seguida no jardim interior, centrado por um grande lago, onde um vulto se debruçava sobre a água, quase em risco de cair. Hipólito correu a agarrá-lo pelos ombros. Hera foi atrás e descansou-o:
- Não se preocupe! É Narciso. Está apaixonado pela sua imagem e não consegue sair daquela posição. Vai morrer ali, de castigo! Andava-se a armar e as moças desprezadas pediram aos deuses para vingá-las.
O médico levantou-se.
- Pareceu-me o José Rodrigues dos Santos! Só quando o agarrei é que vi que era bem mais bonito. Vocês não o ajudam?
- Não! respondeu Hera. - Aqui um tipo, se quer chegar a velho não se pode dar a mariquices. Mas deixemo-lo. Nem de propósito, venha cá dentro ver um baixo-relevo sobre as Amazonas. Pu-lo ali para que o meu marido se lembre que há mulheres que são um perigo. Agora andam nos shoppings, nas discotecas e até em escolas superiores. Não vêm a cavalo como as antigas. Vestem-se de “hot pants” e smartphones para fazer os estragos. Se abrem a boca é uma ignorância de fazer tremer. Só sabem o que lêem na Hola e na Caras. Não têm a mínima noção do mundo. O pior é que conseguem escravizar uns rapazitos, que em meia dúzia de anos se rebela e quase se torna anti-social.
Repare bem. Estas do painel cortaram a mama direita para melhor lançarem as suas flechas. Deram cabo do corpo para a função a que se propunham. As de agora, fazem o mesmo. Injectam-se de silicone ou amputam-se para serem eficazes na caça. E … votam! Como é que que vocês querem sair da crise? Já tentei explicar isto ao meu marido mas ele tem demasiado sexo nos olhos, o que é que eu hei-de fazer!

Hipólito, sem lhe querer tirar razão, lembrou que, quando os níveis das hormonas lhes descem, voltam à realidade, passam a trabalhar nas fábricas e que … produzem.
- Dona Hera! Nesta sociedade, desde que se produza, se venda e se compre, tudo rola! Poucas terminam na droga, no álcool ou no tabaco. As depressões só lhes aparecem pelos quarenta. Essa gente paga impostos, morre cedo e não recebe reforma. No fim de contas, não dá prejuízo!

Aquilo saiu-lhe sem pensar. Para que é que ele se estava a meter entre os dois. Se Zeus quisesse ir embora, que fosse. Há tantos deuses neste mundo! Se desaparecerem uns quantos, não se iria notar. Para mais estando estes quase na falência. Se eles estivessem atentos, veriam que, há mais de mil anos, o Deus único era o que estava a dar. Na Índia e na África negra, ainda havia politeísmo, mas já quase só viviam do folclore. Mais cedo ou mais tarde, umas ONG, patrocinadas pelo Vaticano e outras pela Arábia Saudita, iriam introduzir, a par com umas chamuças e uns kebab, o tal Deus OmniTudo que resolve mais que o Liedson no Sporting.
Estava ali como médico. Não tinha que dar opinião. Já percebera que aquele mundo era mais instável que o da Terra e os deuses mais voláteis que os políticos que conhecera.

O dia ia longo. Já tinha que chegasse. Não precisava de ver o porco a andar de bicicleta. Deu uma corrida até Zeus, que se preparava para entrar, com Hera, nos seus aposentos, e chamou-os:
- Dona Hera! Deus Zeus! Esperem um pouco!
Pararam. Os dois, ali de braço dado, davam um quadro de altar. Refreou-se, ao passar-lhe pela cabeça uma selfie, e questionou-os:
- Estou um pouco atrasado. Queria ver o Sporting na SportTV, junto de uns amigos! Será que me posso ir?
Foi Hera que respondeu.
- Oh Dr. Hipólito! Nós estávamos a contar consigo para o jantar, mas não o queremos prender. Se tem esse encontro marcado, fica para outro dia!
E dito isto, chamou uma vestal e despediu-se calorosamente, enquanto dizia:
- Ainda por cima o Sporting! Não seja por nós que vai deixar de ver a sua progressão para o título! Felicidades! Olhe que o Nacional da Madeira está em boa forma!

Correu para o carro. Faltavam quinze minutos para o início do jogo e estava a chover. Com sorte chegaria ao Café em cima da hora. Não resistiu e balbuciou:
- Queira Zeus que não haja muito trânsito!

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