- Que tens Madalena?
- Não é nada! É só um soluço que aqui tenho entalado!, respondia, quando a encontravam de mãos postas debaixo do queixo, como se estivesse a desatarraxar um frasco cheio de vácuo.
Era assim nas duas últimas semanas, a preocupar a família, com aquela dor no peito, "como uma colher a rapar o fundo do coração", que passava depois de um longo suspiro.
Nunca tivera saúde. Em criança, foram as tosses e as bronquites que a atormentaram, depois, a retinite na adolescência limitara-lhe os voos e, ao passar a quinta década, as artroses fixaram-na ainda mais a casa, onde só saía para o médico e pouco mais.
Apesar de todas as maleitas, mantinha a voz clara da juventude, onde não faltava um tom de fresca inocência, cultivada pelos pais e pela irmã, que não casara prevendo as necessidades crescentes do seu grupo.
- Madalena! Não nos aflijas! Tu já fizeste tantas análises e exames! Queres consultar outro médico?
Já ia no terceiro e todos lhe diziam o mesmo, que tudo não passava de ansiedade.
- Queres um copo de água?, e enterravam-na docemente no primeiro sofá, enquanto aguardavam que o suspiro surgisse.
Nem quando cegara lhe ouviram tão profundos ais. Estranhamente, as queixas pareciam desaparecer depois do jantar, quando se recolhia ao quarto para fazer da rádio a sua companhia daquelas horas.
Há muito que conhecia as músicas, as histórias, os jogos e os locutores de todas as estações, mas, ultimamente, uma voz, num programa em directo, fazia-a pôr a mão no telefone. Era uma voz generosa que lhe despertava eflúvios cósmicos e, se a oportunidade surgia, a obrigava a ligar célere para uma conversa mais ou menos longa, que a deixava a pairar numa estratosfera de querubins e nuvens de oiro, em devaneios de jovem de vinte anos. Depois, adormecia sonhando borboletas e campos de flores, até o comboio do meio-dia a acordar e lhe chamar de novo a agonia de ter aquela paixão.
A dor daquele segredo, derrotou-a num domingo de sol, e atirou-a para uma cama de um hospital onde Deus se comiserou dela e a levou. Então, os homens pegaram naquele corpo inerte e, antes de o devolverem à terra, associaram-lhe uma causa da morte, que poucos compreenderam por ter o nome japonês de um pote de pesca para capturar polvo.Apesar de todas as maleitas, mantinha a voz clara da juventude, onde não faltava um tom de fresca inocência, cultivada pelos pais e pela irmã, que não casara prevendo as necessidades crescentes do seu grupo.
- Madalena! Não nos aflijas! Tu já fizeste tantas análises e exames! Queres consultar outro médico?
Já ia no terceiro e todos lhe diziam o mesmo, que tudo não passava de ansiedade.
- Queres um copo de água?, e enterravam-na docemente no primeiro sofá, enquanto aguardavam que o suspiro surgisse.
Nem quando cegara lhe ouviram tão profundos ais. Estranhamente, as queixas pareciam desaparecer depois do jantar, quando se recolhia ao quarto para fazer da rádio a sua companhia daquelas horas.
Há muito que conhecia as músicas, as histórias, os jogos e os locutores de todas as estações, mas, ultimamente, uma voz, num programa em directo, fazia-a pôr a mão no telefone. Era uma voz generosa que lhe despertava eflúvios cósmicos e, se a oportunidade surgia, a obrigava a ligar célere para uma conversa mais ou menos longa, que a deixava a pairar numa estratosfera de querubins e nuvens de oiro, em devaneios de jovem de vinte anos. Depois, adormecia sonhando borboletas e campos de flores, até o comboio do meio-dia a acordar e lhe chamar de novo a agonia de ter aquela paixão.
Sem comentários:
Enviar um comentário