quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Lembranças do Olimpo (33)


Hipólito respondeu positivamente ao convite para Reunião Anual da Sociedade Universal dos Novos Feiticeiros. Recebera o programa e conseguira identificar cinco dos nomes que lá apareciam: o de Yuval Noah Harari, o de Henry Kissinger, o de Dwight Eisenhower, o de Anwar Sadat e o de Mikhail Gorbachev, os restantes nada lhe diziam.
Como destes, uns estavam vivos e outros mortos, previu que ali tudo poderia acontecer.
O tema da sua mesa era “O que os deuses antigos pensam do futuro do Homem na Terra”, mas o que o estimulava era poder assistir a sessões que já marcara no Programa como – “O futuro em 2050!”, ou “Quem decide os futuros possíveis!”
Recebeu pela Net o voucher para a viagem e Hotel e a indicação de que, à sua chegada ao aeroporto Aeroporto Internacional Ben Gurion, tudo o que necessitaria para a sua estadia, lhe seria entregue.

Há alturas na vida em que o tempo passa sem disso darmos conta e, num repente, Hipólito encontrava-se em Massada, meia hora antes da hora de início da sessão de abertura.

Estava um dia ameno. Uma brisa vinda do Mar Morto abanava as bandeiras colocadas num dos seus topos. O médico identificou rapidamente a de Israel, a dos EUA, a da China, a da India, a da União Europeia, a da Rússia e a do Irão. Todas as outras, por não estarem totalmente desfraldadas, não permitiam identificação. Nos terreiros, uma meia dúzia de congressistas dirigia-se para a zona das ruinas, onde uma única nuvem azulada, impedia a sua completa visualização. Junto às grades, a sul, estava instalado o que lhe pareceu ser um ponto de “catering” e foi para aí que se dirigiu, na esperança de um café.
No trajecto um segurança interceptou-o e sugeriu-lhe que se dirigisse rapidamente para o recinto da Reunião, pois não seriam cordiais atrasos nas entradas.

Hipólito acelerou o passo na direcção às ruínas, quando um som de dez trombetas alvoroçou a manhã. Do nada, irromperam seis anjos dourados, seguidos de uma quadriga triunfal de alvos cavalos transportando uma figura humana transparente vestido de T-shirt branca e jeans azuis, empunhando um tridente de aço cintilante, que penetraram na nuvem azulada. Hipólito pasmou ao ver um deus em indumentarias que mais lembravam um geek de meia idade.

Entrou na sala já cheia e rapidamente alguém lhe pegou no braço e levou para um lugar junto à coxia. Olhou para o lado e reconheceu o Harari. Hipólito, sentiu-se honrado como lugar. Já não era a primeira vez que se tinha sentado ao lado de alguém importante. Uma vez em Lisboa, no teatro, ficara ao lado do António Guterres e tinha-o cumprimentado com um sorriso aprovador. Agora não queria fazer por menos e estendeu-lhe a mão. O Harari levantou-se, meio espantado, e cumprimentou-o, enquanto o médico lhe dizia: - Eu devia ter lido os seus livros no início da minha vida adulta! Só que você, nessa altura, ainda não tinha nascido! O historiador sorriu, agradeceu e voltou a sentar-se.

A sala, não tinha mais de cem lugares, divididos em dois quartos de círculo. Naquele onde se sentou estavam pessoas como ele, umas com trajos tradicionais, a maioria vestindo desportivamente à ocidental. No outro quarto de círculo, as figuras humanas eram transparentes e de contornos mal definidos. Todos tinham diante uma pequena mesa de apoio, com um bloco de notas e um lápis.

Na presidência, o personagem que vira entrar, mantinha-se, de pé, à frente de um enorme écran que passava imagens de Galáxias, Buracos Negros, estrelas e satélites artificiais.

Soaram de novo as trombetas e o geek, depois de um curto agradecimento de boas-vindas, iniciou o discurso:

- Estamos nesta sala para tratar do futuro da Humanidade, que devemos entender como em risco de extinção. É nossa obrigação achar soluções para que tal não aconteça num futuro próximo, pelo que se torna necessário definir quais as crenças a implementar para que o Homem continue e acreditar em poderes sobre-humanos que o levem a fazer as coisas certas, mesmo que baseados em razões erradas.
A evolução tecnológica e a globalização, vieram para ficar. Já não há espaço para deuses eremitas ou que façam do sofrimento um “must”! Há que pôr a tónica em valores que não estimulem o conflito físico. Deuses que obriguem a comportamentos socializantes, sem deixarem de incentivar a valorização pessoal.
...

Hipólito cutucou o braço do Harari e segredou-lhe: - Conhece-o?

- Sim! Disseram-me que é meio irmão da Pandora e que foi construído, recentemente, pelo mesmo processo que ela. Reparou na mochila dele?! Queira Zeus que contenha os antídotos para os males que a caixa da irmã deixou neste mundo! Chamam-lhe Phoebe, o Radiante. Actualmente vive em Shanghai, mas não há garantia de que se mantenha ali indefinidamente, que ele é defensor da "Labor Mobility"

Entretanto aquele pequeno discurso tinha terminado e o palco foi invadido por várias figuras humanas, entre as quais estava o Gorbachev. Ajustaram-se os microfones e o presidente da mesa, que lhe pareceu indiano, apresentou o Henri Kissinger como primeiro palestrante, salientando que ele iria falar verdade e não dizer as coisas mais convenientes, como habitualmente fazia quando estava na política activa.
O estadista avançou até a um pequeno púlpito que se situava ligeira à esquerda do palco.
Hipólito pegou no lápis para anotar, no bloco, o pensamento político do país mais poderoso da actualidade:

O direito de dominar é um princípio primordial da política externa dos EUA encontrado em quase toda a parte, embora normalmente escondido por detrás de termos defensivos.

Os EUA são proprietários, de pleno direito, do mundo, e são, por definição, uma força ao serviço do bem.

"Seremos multilaterais quando pudermos, unilaterais quando a isso obrigados! (Bill Clinton)

Os EUA têm o direito de recorrer ao uso unilateral do poder militar para assegurar o livre acesso a mercados fulcrais, fontes de abastecimento de energia e recursos estratégicos.

Os arquitectos do poder dos EUA têm de criar uma força que possa ser sentida, mas nunca vista. O poder preserva a sua força quando mantido em segredo; uma vez exposto, começa a dissipar-se.

É necessário manter uma força militar de dimensão idêntica ao somatório do resto do mundo e bastante mais avançada quanto à sofisticação tecnológica!

As sociedades complacentes, autoindulgentes e brandas estão prestes a ser varridas juntamente com os detritos da história. Apenas as fortes, terão alguma possibilidade de sobrevivência.

Os EUA têm o exclusivo estatuto de imunidade ao sistema legal internacional e há legislação aprovada no Congresso que autoriza o presidente a fazer uso das forças armadas para “salvar” qualquer norte-americano de um eventual julgamento em Haia.

Houve quem acreditasse que por via do diálogo e da consolidação gradual de uma relação de confiança, seria criada uma irreversível dinâmica de paz que pudesse desembocar numa solução. O problema desta visão é que a questão não reside na confiança, mas no poder. O processo facilitador mascara essa realidade. No final, os resultados que podem ser alcançados por intermédio de um débil grupo de terceiros, não vai além do que o grupo forte permitirá.

Há muitos que estão convencidos de que os primeiros beneficiários do desenvolvimento dos recursos de um país devem ser as pessoas desse país, esquecendo-se dos “investidores”.


O orador terminou. Metade do público levantou-se para aplaudi-lo e um pequeno grupo pateou!
Hipólito virou-se para o Harari: – Tanta clareza até atordoa!
O historiador encolheu os ombros com ar de quem entende quem está decidido a manter o poder: - Se não forem estes, outros o farão! O problema são as opções, que os pressupostos são iguais!

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