sábado, 4 de dezembro de 2021

Cabeleireiros

 

 

Arnaldo, Alcino, António, Alfredo…são os nomes dos cabeleireiros que me puseram as mãos na cabeça nos últimos anos…todos começados por A por coincidência…

O resultado é o que se sabe e não os culpo. Não se podem fazer milagres! mas o que me suscita reflexão é o padrão de comportamento.

A delicadeza de trato deixa revelar uma vontade de corte…ou não sejam eles instruídos na tesoura que seguram com mestria entre o polegar e o 2ª dedo com ajuda do 4ª dedo, trinando o seu ruído metálico afiado bem junto dos meus ouvidos.

O “como vai ser hoje?” de cortesia, é comunicado sempre através do espelho, e fica estranho falarmos de frente com alguém que está sempre nas nossas costas…

Não sou de conversas intimistas nem de falatórios sobre as vidas alheias, sejam públicas ou privadas, o que, reconheço, torna a minha visita ao cabeleireiro um enfado para os ditos.

Colocam-me uma revista nas mãos, sempre a última “acabadinha de chegar” que finjo ler pois, sem óculos, apenas vejo as figuras - como quando tinha 5 anos e lia as “Selecções do Reader´s Digest” que existiam lá em casa. Vou percebendo que os que se divorciam este mês são os mesmos que há dois meses tinham o casamento de espavento noticiado nas páginas centrais e que de namoro em namoro, as pessoas que alimentam este negócio, vão sendo fotografadas em casas de luxo que os iludem de riqueza.

E eu, de tinta na cabeça a limitar a testa de modo irregular e de plásticos pretos à volta do pescoço presos por molas de cabelo, olho o espelho e penso, invariavelmente, na eventualidade de ocorrer, naquele preciso momento, um incêndio naquele salão e de me ver a fugir para a rua naquele preparo.

“A água está boa assim? se quiser posso por mais fria…ou mais quente!” - Mas para mim está sempre bem - ou acertam sempre ou a minha sensibilidade capilar é nula; e mesmo este momento de comunicação é breve para logo se voltar ao silêncio comunicacional.

Também o “está prontinha” quer laca? é tão previsível…

O que é novo para mim é que o salão, que frequento agora, tem 3 degraus. E não é que o Sr. Alfredo se apressa a dar-me o braço para que eu não caia….!!!!!!

Só quero pagar e sair para respirar.

Sempre foi assim. Não gosto de ir ao cabeleireiro.

Lembro-me de ter uns 6 anos e de o cabeleireiro ter ido a casa fazer-me caracóis com bigoudis de ferro, pesadíssimos, aquecidos e colocados na minha pobre cabecinha que cabeceava com o peso, enquanto eu gemia com a dor e sensação de carne queimada no meu couro cabeludo. Não foi uma boa experiência e o resultado foi uma carapinha que me conferia o ar angelical necessário para a função que me estava atribuída. Eu seria o anjo, com asas e tudo, que seguraria a tolha da comunhão nas cerimónias de Comunhão Solene do meu colégio. Isto numa família de não crentes!!!

Mais tarde, no cabeleireiro “Mateus” em Costa Cabral, ao ver que todas as senhoras ao saírem metiam dinheiro nos bolsos das empregadas, achei que tinha aí a minha oportunidade de brilhar. Pedi uma moeda à minha mãe que ma deu sem que eu lhe dissesse para que a queria. À saída, garbosa, e de cabeça erguida coloquei a moeda no bolso da casaca do Sr. Mateus – o dono! Senti-me adulta e se não fora o sorriso complacente e a troca de olhares entre ele e a minha mãe não me teria apercebido do caricato da situação.

Ainda hoje, 60 anos depois, me sinto corar quando recordo este episódio.

História de MHSG

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