quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Os Judeus e o Sucesso

 


Abraão, do casamento que teve com Sarah, teve 1 filho – Isaac.

Isaac casou com Rebecca e tiveram 2 filhos Jacob e Esaú.

Jacob casou com duas irmãs - Lia e Raquel e teve 12 filhos. 6 de Lia, 2 de Raquel, 2 de Bila e 2 de Zilpa que eram escravas das duas irmãs e que elas entregaram a Jacob para que ele as fecundasse, uma vez que a coisa não estava a funcionar muito bem para o lado delas – (pelo menos é o que diz o Velho Testamento, porque, cá para mim, o Jacob, à boa maneira da época e da região, confundia os quartos onde as mulheres o esperavam). Lia também teve uma filha mas, por razões de género, não teve direito a história.

Raquel só teve os filhos depois de todas as outras. José era o mais velho e Benjamin, o mais novo.

Raquel foi sempre a esposa preferida e essa “inclinação”, apesar de ela ter engravidado tardiamente, extravasou para os seus filhos com ela e José começou a ser fruto de inveja pelos meio-irmãos mais velhos, a ponto de o quererem matar, mas o acaso levou-os a vendê-lo como escravo a uma caravana que passava por perto. O rapazito foi levado para o Egipto e, como era esperto e bonito e foi comprado por um dos ministros do Faraó, de nome Potiphar. Não podia ter melhor sorte e, ainda por cima a esposa do dito, engraçou com o moço e deu-lhe educação e a influência dele foi crescendo naquela casa, ao ponto de lhe pedirem conselhos sobre coisas de governação. José era um tipo fino e as suas soluções mostraram-se úteis, pelo que foi subindo na hierarquia do reino a ponto de chegar a Vice-rei.

Passaram vinte anos e, à boa maneira do emigrante de sucesso, quando os irmãos foram comprar trigo ao Egipto, ele fez-se de “anónimo” para saber do seu irmão Benjamin, que também era preferido do pai, a julgar pelo nome que significa “filho da mão direita”. Ao saber que ele estava bem e que não tinha sofrido maus tratos, José denunciou-se, fez as pazes com eles e convidou toda a família para deixar as terras áridas da Palestina e ir viver para o delta do Nilo, no Egipto, onde lhes deu muitas terras. A casa de Jacob (Deus mudou-lhe o nome para Israel), enriqueceu imenso nos 17 anos seguintes e tornou-se uma comunidade rica e influente por muitas gerações, mantendo sempre as suas práticas religiosas e sociais dentro de um círculo fechado,  obedecendo mais aos seus chefes que às leis egípcias, coisa que os deve ter sinalizado como “perigosos”.

Viveram no Egipto 430 anos, mas só nos últimos 70 é se que sentiram “escravizados”, (isto é, devem ter perdido privilégios) e começaram a pensar em voltar para a Palestina pois, se fossem todos, não sentiriam a falta de ninguém, uma vez que viviam arredados dos egípcios e estes lhe estavam a infernizar a vida.

Moisés, que tinha tido educação egípcia, andava fugido a uma pena de morte por ter morto um feitor. Como tal interessava-lhe uma fuga colectiva para sair dali. Os judeus não eram trabalhadores indiferenciados, muito provavelmente, ocupavam cargos relevantes não só na administração pública como também na sociedade civil, pelo que o Faraó quando tomou conhecimento do “Êxodo”, tentou impedi-lo, mas os seus exércitos seguiram pistas falsas, e os “israelitas” passaram por onde agora é o canal do Suez e, à época, era um deserto igual ao de toda a zona. Quem fugia tinha posses, pelo que não houve especial dificuldade em comprar o “maná”. O problema maior foi capitanear aquela turba (uns milhares ?) nas provações do deserto e Moisés retira-se para escrever, em letras gordas, uma súmula de leis, para serem cumpridas durante o resto da viagem e não só.

Chegados à Terra Prometida – Canaã, encontraram-na povoada pelos cananeus e filisteus e deram início a um conflito que ainda hoje persiste. Estávamos então no século XIII (AEC) Antes da Era Comum.

 Esta introdução é a minha interpretação dos factos relatados no Velho Testamento e tem por base uma minha inquietação para tentar perceber porque é que, há mais de 3.000 anos. os judeus são perseguidos, onde quer que se tenham estabelecido com algum significado. Egipto, Babilónia, Rússia e outros países de Leste, Alemanha e qualquer dia dos EUA.

 

O livro: “The Chosen Few: How Education Shaped Jewish History, 70-1492.” de Maristella Botticini and Zvi Eckstein, esclareceu-me sobre a questão: O que está por detrás das perseguições?

Resposta: É o seu notável sucesso económico a par da sua não integração nas sociedades que os acolhem.

 

 Embora o livro refira que foi a partir do ano 70 que tudo se tornou evidente, eu estou em crer que o processo se iniciou muito antes.

 Segundo os autores, há 2000 anos, num mundo quase totalmente analfabeto, os líderes religiosos judeus da Judeia e Galileia, exigiram que cada indivíduo judeu, criança ou adulto, do sexo masculino, rico ou pobre, agricultor ou mercador, soubesse ler para estudar a Torah. Tal facto impulsionou a educação e o conhecimento universal entre os judeus e séculos mais tarde esta regra religiosa constituiu a escada para a sua prosperidade económica e intelectual.

Se visitássemos o mundo de há 2000 anos, analisando a vida de um judeu e a de um não judeu seria difícil distingui-las pelo modo como trabalhavam, mas se o fizéssemos no período entre 1920 e 1930, como o fez o economista Simon Kuznets, veríamos um padrão completamente diferente: 91 a 99% dos judeus do mundo estavam envolvidos em ocupações urbanas especializadas, enquanto a maior parte da população do mundo (excepção dos EUA) ainda vivia da agricultura.

As crianças e adultos judeus aprenderam a ler para estudar a Torah, mas esta capacidade, permitiu-lhes ler e interpretar outros textos não religiosos o que lhes foi muito útil como artesãos e mercadores que frequentemente necessitam de escrever cartas e contratos e manter os seus livros de contas

Sabemos hoje que se alguém aprende a ler uma língua, é-lhe mais fácil aprender outras, e os judeus, para além do Hebraico, aprenderam as línguas dos diferentes locais onde se estabeleceram. A leitura de outros textos religiosos mais complexos como a Mishna e o Talmud, que consistem em extensos debates entre rabis e sábios, deu-lhes a capacidade para pensar de modo analítico e argumentativo, o que lhes foi muito útil nas actividades comerciais, empresariais e financeiras.

A literacia e a educação aceleraram a sua mobilidade na procura de novas oportunidades de negócio e a formação de uma rede de judeus vivendo em diferentes localizações, conectados através de cartas e contratos pelos diferentes associados e financiadores.

A literacia e a educação são pré-requisitos para se terem códigos legais e tribunais que forcem os contratos. Há séculos que os Judeus organizaram instituições que promovem actividades comerciais e de negócio para que esses contratos sejam cumpridos, onde quer que os judeus estivessem.

 

As lideranças judaicas impuseram a literacia por puros motivos religiosos, para garantir que todo o judeu aprenderia e obedeceria à lei judaica escrita na Torah, mas o efeito lateral dessa prática, foi equipar os judeus com ferramentas como a literacia geral, a capacidade de compreender textos, de raciocínio analítico, mobilidade, capacidade em estabelecer uma rede de influência e instituições que obrigassem ao cumprimento dos contratos, capacidades que os elevaram a ocupações muito diferenciadas como artífices, negócio, empreendimentos, finança, medicina e lei.

 

O judaísmo foi a única religião que, durante séculos, exigiu que as famílias enviassem as crianças para a escola ou para a sinagoga para aprenderem a ler desde os seis ou sete anos de idade.

 

Quando começou a expansão comercial e a urbanização em vastas áreas da Espanha à India, criou-se uma urgente necessidade de profissões onde eram fundamentais esta competências (literacia, educação, mobilidade, conexões em rede e instituições que obriguem ao cumprimento dos contratos) . Os judeus estavam acidentalmente bem equipados para essas funções e aproveitaram a oportunidade. No primeiro milénio estiveram sozinhos  nessa corrida. 


Aos Muçulmanos (Maomé - 571-632 EC) foi exigido ler o Corão, mas os peritos em leitura na história das religiões, afirmam que essa leitura visava unicamente a memorização e não necessariamente a interpretação.

 

Os Protestantes (início da Reforma Protestante – 1517) também exigiram aos seus membros a leitura e estudo da Bíblia e este facto foi determinante, segundo Ernest Gellner, para o seu enorme sucesso económico. 


Os judeus impuseram esta norma 15 séculos antes.

 

Os católicos só muito tarde entenderam a necessidade destas ferramentas. Em Portugal o analfabetismo em 1870 era de 80% nas mulheres e de 70% nos homens. Em 1970 era de 30% nas mulheres e 20% nos homens e em 2010 era de ~5% para os 2 grupos.

 

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