quarta-feira, 11 de outubro de 2023

"DOGVILLE" (2003, dir. Lars von Trier)


- Na nossa última conversa disseste o que te desagradava em mim e, é uma regra de boa educação, também me deixares dizer o que me desagrada em ti!

- Que coisa é essa que te desagrada?

- Usaste uma palavra que me provocou. Chamaste-me “arrogante”, quando é  exactamente, a arrogância o que mais me desagrada em ti! Na tua opinião os violadores e os assassinos podem ser vítimas. Eu chamo-lhes cães, que só com o chicote se consegue impedir que lambam o próprio vómito.

 - Os cães seguem a sua natureza e por isso os perdoamos!

- Os cães podem aprender coisas úteis, se não se perdoarem sempre que sigam a sua natureza!

- Então sou arrogante! Sou arrogante por perdoar?

- Meu Deus! Não vês quão condescendente és, ao dizer isso? Não vês que ninguém consegue chegar a esses teus padrões éticos, onde tudo se perdoa? E eu não conheço nada mais arrogante que isso! Tu, minha filha, perdoas aos outros com desculpas que nunca admitirias para ti própria!

- E porque é que não posso ser misericordiosa??

- Podes e deves ser misericordiosa, mas na altura certa! Mantendo os teus padrões! Deves-lhes isso! Os castigos que mereces para os teus erros, é o mesmo que merecem os outros!

- São só humanos!

- E todo o ser humano deve ser responsável pelos seus actos. Só que tu, não o deixas ser! E isso, é extremamente arrogante! … O poder não é assim tão mau e eu tenho a certeza que eras capaz de usar o teu à tua maneira!

- As pessoas que aqui vivem esforçam-se em circunstâncias muito duras!

- Mas será que fazem o seu melhor? Ou só o suficiente?

E, de repente, soube qual era a resposta para a sua dúvida. Se tivesse agido como eles, não encontraria uma só desculpa para os seus actos e não haveria castigo que a punisse. E foi como se uma dor se tivesse dissipado. Se alguém tinha o poder para pôr tudo como deve ser, tinha o dever de o fazer, a bem das outras aldeias e de toda a humanidade. E também, não em menor grau, a bem do ser humano que era ela, Grace.


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