domingo, 27 de janeiro de 2008

A Morte

Entristecem-me os enterros onde não se enaltece o bem que o morto foi capaz em vida. Sinto que vai para a cova desconsolado e assim fica para a eternidade.
Toca-me saber que alguém ouviu no caixão este poema de W. H. Auden, April 1936, muito bem declamado no Filme “Four Weddings and a Funeral".


Mas também invejo os mortos do cemitério do cabo Finisterra que assumem ficar ali eternamente expostos ao tempo agreste.





2 comentários:

  1. É realmente bonito este poema. Quase que chega para tornar a morte um pouco menos incompreensível.

    No dia em que "eu começar a crescer para o sol", acharia bonito se alguém se tivesse dado ao trabalho de se (me) dar um pouco nas despedidas.

    Por isso, deixo aqui outro texto, mais mental, mais elaborado, mais "pensado" mas não necessariamente menos sentido, do Eugénio de Andrade ao Ruy Belo.

    À MEMÓRIA DE RUY BELO

    Provavelmente já te encontrarás à vontade
    entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
    tomava sempre o comboio para as férias grandes,
    já terás feito amigos, sem saudades dos dias
    onde passaste quase anónimo e leve
    como o vento da praia e a rapariga de
    *****Cambridge,
    que não deu por ti, ou se deu era de Vila do
    *****Conde.

    A morte como a sede, sempre te foi próxima,
    sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
    ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
    mas estava, como estava o mar e a alegria
    ou a chuva nos versos da tua juventude.

    Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
    página de um jornal trazido pelo vento,
    nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
    jornal onde em primeira página também vinha
    a promoção de um militar a general,
    ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
    isto de militares custa a distingui-los,
    feitos em forma como os galos de Barcelos,
    igualmente bravos, igualmente inúteis,
    passeando de cu melancólico pelas ruas
    a saudade e a sífilis do império,
    e tão inimigos todos daquela festa
    que em ti, em mim, e nas dunas principia.

    Consola-me ao menos a ideia de te haverem
    deixado em paz na morte; ninguém na
    *****assembleia
    da república fingiu que te lera os versos,
    ninguém, cheio de piedade por si próprio,
    propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
    te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
    qualquer coisa assim para estrumar os campos.
    Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
    foste sempre discreto (até mesmo na morte),
    não mandaste à merda o país, nem nenhum
    *****ministro,
    não chateaste ninguém, nem sequer a tua
    *****lavadeira,
    e foste a enterrar numa aldeia que não sei
    onde fica, mas seja onde for será a tua.

    Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
    que começaste a fazer corpo com a terra
    a única evidência é crescer para o sol.

    (Eugénio de Andrade)

    1978

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  2. O cemitério finisterra é de facto fora do comum.
    Numa das gavetas, num dos caixotes do cemitério, alguém colocou um par de botas que ali estão tristes e sozinhas cheias de saudades dos pés que conheceram.

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