domingo, 27 de janeiro de 2008

Os patetas

A expressão "Pateta" parece-me a mais adequada para identificar quem se põe em bicos de pés por ter um saber que considera relevante.


A realidade para eles confina-se ao seu mundo, entendem o muito como bom, desrespeitam as lideranças, vestem-se de sobranceria e quando acossados fogem sempre para a frente.
O meu avô definia-os de um outro modo e dizia-me: "Foge do homem de um só livro!”

1 comentário:

  1. É bonito, sim, este poema.

    Este, do Eugénio de Andrade, é mais elaborado, mais racional, mais mental mas não necessariamente menos sentido.

    Quando a minha hora chegar, "e eu começar a crescer para o sol", gostava de ter alguém, que como ele, se désse um pouco nas despedidas.

    À MEMÓRIA DE RUY BELO

    Provavelmente já te encontrarás à vontade
    entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância
    tomava sempre o comboio para as férias grandes,
    já terás feito amigos, sem saudades dos dias
    onde passaste quase anónimo e leve
    como o vento da praia e a rapariga de
    *****Cambridge,
    que não deu por ti, ou se deu era de Vila do
    *****Conde.

    A morte, como a sede, sempre te foi próxima,
    sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso
    ela aí estava, um pouco distraída, é certo,
    mas estava, como estava o mar e a alegria
    ou a chuva nos versos da tua juventude.

    Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta
    página de um jornal trazido pelo vento,
    nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,
    jornal onde em primeira página também vinha
    a promoção de um militar a general,
    ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:
    isto de militares custa a distingui-los,
    feitos em forma, como os galos de Barcelos,
    igualmente bravos, igualmente inúteis,
    passeando de cu melancólico pelas ruas
    a saudade e a sífilis do império,
    e tão inimigos todos daquela festa
    que em ti, em mim, e nas dunas principia.

    Consola-me ao menos a ideia de te haverem
    deixado em paz na morte; ninguém na
    *****assembleia
    da república fingiu que te lera os versos,
    ninguém, cheio de piedade por si próprio,
    propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,
    te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,
    qualquer coisa assim para estrumar os campos.
    Eles não deram por ti, e a culpa é tua,
    foste sempre discreto (até mesmo na morte),
    não mandaste à merda o país, nem nenhum
    *****ministro,
    não chateaste ninguém, nem sequer a tua
    *****lavadeira,
    e foste a enterrar numa aldeia que não sei
    onde fica, mas seja onde for será a tua.

    Agrada-me que tudo assim fosse, e agora
    que começaste a fazer corpo com a terra
    a única evidência é crescer para o sol.

    (Eugénio de Andrade)

    1978

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