quarta-feira, 7 de maio de 2008

A Primeira vez












Encontrávamo-nos no Café todos os dias. Às vezes quatro, outras dez. Sabíamos quase tudo de todos - onde estavam, com quem andavam e onde tinham ido.
Era uma família de jovens que se reunia para falar ou dar ponto de partida para uma qualquer aventura.
Partilhávamos vontades, angústias e a história dos sucessos, num tempo de afirmação, onde as pequenas audácias eram gestos heróicos e, no temor do despeito, as fraquezas não tinham lugar.
Discutia-se religião, automóveis, filosofava-se a vida, e punham-se muitos condimentos no feminino para animar as conversas.

De vez em quando, uma fanfarronice elevava o tom e era tema para que se escalassem valores. Outras vezes era dúvida que ficava no ar, como naquele dia em que alguém timidamente segredou:
-“O Tomé vai à Madadena!”
A Madalena era uma prostituta que vivia nas traseiras da Capela das Almas, no Porto. Um infortúnio para o padre Brochado, nosso professor de Religião e Moral que, sem sucesso, diligenciara em múltiplas instâncias afastar tão impura actividade.

Comentou-se em surdina e aventaram-se pormenores, e dias depois do suposto acto, questionou-se “o homem”, que sistematicamente respondeu por evasivas e desconforto, pelo que, para não ferir sensibilidades, entendeu-se que o melhor era arrumar o assunto na gaveta das coisas mal arrumadas.

A vida tornou os nossos encontros esporádicos e, vinte anos passados, alguém se lembra de um jantar de confraternização da “malta do Café”.
Vêm todos com as famílias e o ânimo em alta. Pergunta-se o presente, relembra-se o passado e, longe das condicionantes dos 19 anos e dos pratos da sobremesa, pergunto ao Tomé, que se levantara do meu lado:
-“Conta-me lá essa história da Madalena. Nunca contaste. Tu foste mesmo lá?”

E enquanto nos afastávamos e me metia o braço contou-me, no meio de risadas contidas, a desdita daquele dia:
- que a senhora o recebeu desnudada da cintura para cima,
- que o quarto tinha a cama mal feita e um penico por baixo,
- que se ouvia claramente o relato de um jogo de hóquei em patins Portugal-Itália.
- que a senhora fez tudo o que pôde para lhe dar uma alegria, desdobrando-se em compreensões e voluntarismos,
- que ele se manteve incapaz de qualquer gesto de masculinidade
- e que, ao fim de pouco mais de 10 minutos, lhe implorou:
-“Oh minha Senhora, deixe-me ir embora! Eu pago na mesma, mas deixe-me ir embora!

5 comentários:

  1. Se nesse tempo de afirmação, a audàcia do Sr. X foi recorrer aos serviços da Madalena para descobrir os prazeres da vida, mais valia ter continuado na ignorância e na luta desigual de 5 contra 1.
    Ora aqui está uma teoria masculina que nunca consegui perceber. Porquê... a primeira vez com uma prostituta?

    Beijos cheios de ?????

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  2. Eu também não percebo bem isso agora.
    Mas se formos analizar a História a profissão sempre existiu em resposta a uma procura com motivação diversa onde a primeira vez também pontuou.

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  3. E essa motivação seria a de não fazer feio quando chegasse o dia D com a mulher desejada? Mostrar que se domina a situação e que se é experiente? Homens!!!

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  4. "E essa motivação seria a de não fazer feio quando chegasse o dia D com a mulher desejada? Mostrar que se domina a situação e que se é experiente?"

    talvez em parte mas parece-me que a principal e obviamente não confessada motivação é a de pura e simplesmente despachar o assunto, o que acima de tudo revela apenas e só o medo do desconhecido.

    sobre o tema sugiro a leitura do fabuloso livro Na praia de chesil do ian mcewan.

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  5. Tanto quanto sei, e tenho que me reportar à época... os homens tinham que recorrer às profissionais, porque as mulheres não estavam para aí viradas. A pílula tem menos de 50 anos e a "virtude", séculos.

    O tanto que haveria a dizer sobre a virtude!

    Agora, e mais uma vez, tanto quanto sei, eles têm é que fugir delas!
    Oiço relatos de jovens universitárias que me fazem corar de "vergoha". "Atiram a tudo o que mexe"... e eles... muitas vezes, tremem de medo... das comparações, já possíveis.

    Por outro lado, convenhamos... tem graça haver situações como as mães de Bragança! Tem graça e é trágico. Que eles precisem de experimentar fora de casa aquilo que nunca fariam "com as mães dos seus filhos". Juro que ouvi isto numa entrevista de rua apresentada na TV.

    As meninas e as casas de passe vão existir sempre. Provavelmente não para as primeiras vezes, mas para muitas outras ao longo da vida.

    Também tem graça que a prostituição masculina tenha nascido e floresça. Julgo que também não será fácil para muitas mulheres satisfazerem apetites pouco "dignos" no casamento.

    Não sei o que é que vocês pensam, mas eu cá acho graça a tudo isto.
    Já agora, aconselho o tema "au suivant" do Jacques Brel. Adoro quando ele diz que "mais valia não ter faltado à escola"!

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