sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Maldita Cocaína


Obriguei-me a trabalhar com o incómodo desta conjuntivite, para que o serviço não tenha rupturas.
São 22:00 horas. A Urgência corre sem percalços e vou passar pela Enfermaria.
- “Então Enfermeira! Há novidade?”, pergunto à entrada da Sala de Trabalho.
- “Tudo bem! Só há problema com a família do Sandro! Há 3 dias que, à noite, ficam sempre duas pessoas com ele! A mãe e outra, que se esconde quando passamos por perto! Já lhe dissemos que só pode estar um familiar, mas sabe como eles são!”
- “Eu vou lá!”, respondo-lhe, convicta na minha autoridade de médica e de mais velha.

A criança esteve mal e as enfermeiras fizeram vista grossa com as visitas, mas agora que já está melhor, é tempo de repor a normalidade.
Vou ao quarto e dirijo-me delicadamente às duas mulheres, vestidas de preto da cabeça aos pés, que estão junto da cama.
- “São 22h! Só pode ficar a mãe com o Sandro durante a noite! A outra senhora vai ter de sair!”
- “Ela sai jáááá! Ê chegê só há bocadinhuuu!”, diz a mulher mais velha, num misto de justificação e pedido.
- “Então combinem depressa o que têm a combinar, que quando eu voltar a passar por aqui, não quero ver cá as duas!”, digo, enquanto saio em direcção à porta do Serviço.


Nem dez passos adiante, surge um cigano nos seus 30 anos.
-“Onde é que o senhor vai? Estas não são horas de visita!”, pergunto automaticamente, surpresa com aquela entrada inesperada.
- “Ê sô o pai do Sandro!”, responde do alto do seu metro e oitenta.
- “Como lhe disse, não são horas de visita. Só pode ficar o pai ou a mãe com o Sandro. Já lá está uma senhora que não devia estar. Dois vão ter de sair!”, digo delicadamente enquanto ele se esgueira, com uma pequena mesura, lendo no meu tom de voz uma curta permissão.
Dou mais uns passos e surge outro homem, escuro como anterior, mas mais velho, mais pequeno e mais gordo, com uma barba de uma semana.
- O senhor onde vai?”, pergunto, cada vez mais incrédula com a situação.
-“ Ê sô o pai do Sandro!”, responde sem tirar os olhos de mim.
- “Mau!... Então o Sandro tem dois pais?”, questiono, arregalando os olhos. E, para não alimentar o diálogo, decido acabar por ali ordenando:
-” Vocês entendam-se e decidam quem fica, porque que eu não vou permitir que permaneça na Enfermaria mais que uma pessoa durante a noite.”

Mas, quando dava o primeiro passo em direcção à Sala de Trabalho para falar com a enfermeira de serviço, verifico que a conversa atrai não só os três que já lá estavam como mais duas mulheres com dois jovens, que surgem, nem sei de onde.
De imediato sou envolvida pelo grupo, que persiste:
- “Olhe lá! Você nã manda aquiiiii! a gente tem dirêtuuuu dir ver o meninuuuu!”, diz uma, logo seguida por outra:
- “Olha p’rós olhos déláaa!... Vê-se logo candôôô na brancaaaa...!”, enquanto um miúdo, de cerca de 10 anos, me ameaça esvoaçando murros no ar!

Meço o limite das minhas soluções e digo decidida a pôr cobro àquela intrusão:
- “Fazem favor de sair! Se não o fizerem, vou ter que chamar a segurança! Não volto a avisar!”

Talvez o meu tom de voz se tenha modificado, porque se calaram, e permitiram que o segundo pai do Sandro desse a ordem que os levou dali para fora, carrancudos a olhar para trás ruminando insultos.


A conjuntivite ainda durou mais dois dias! Os nervos as duas horas seguintes!
História de H.G.

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