domingo, 28 de fevereiro de 2010

Encalhada


















Tem 43 anos, trabalha na construção civil, embora o seu ar frágil e bem vestido o não indicie. É de poucas falas e só o cabelo espetado lhe dá o ar de rapaz “às ordens”.
Conheci-o há uns dez anos, quando lhe foi feito o diagnóstico. Ainda vive com os pais e tem um jeito de quem faz as coisas “por fazer” sem o ânimo de um projecto de vida que se abraça.
Da primeira vez que lhe perguntei se tinha mulher, respondeu: “Tenho mulheres, quando preciso!”
Há dois anos iniciou tratamento com temor de ser identificado e, pela mesma altura, ficou desempregado.
- Tem namorada? perguntei.
- Tenho!
- E já lhe disse da doença?
- Tenho cuidado!
- Mas era bom que lhe dissesse! Insisto.
- Não é a sério! Por isso não tenho que lhe dizer!
- ???
...
Da vez seguinte, questiono-o de novo:
- Já lhe disse? Ela tem de fazer os testes!
- Já não ando com a mesma!
- E a esta já disse?
- Esta é a sério!
- Mas disse-lhe?
- Não! Porque vou ficar com ela!
- Como assim ???
- Ela tem mais de 40 anos e ainda está solteira. As irmãs dela já estão todas casadas. Ela já não ia casar. Como vou ficar com ela, ... não preciso de dizer!
E dito isto, olhou-me de frente e encolheu os ombros, tornando-me evidente o que me custava entender.
História de A.S.

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