terça-feira, 16 de abril de 2013

Histórias de há 50 anos

Lembro-me de ele almoçar lá em casa às sextas-feiras. Eu teria uns nove anos e ele parecia-me enorme.  Quando lhe ia dar um beijo, ele recusava-o, e simulava um chapadão pondo-me aquela grande mão na cara. Era um padre de muitas histórias, que o meu pai tratava por tu.
Uma delas foi a senhora Teresa que contou, de um sobrinho que “tinha o diabo metido no corpo”, porque saltava para cima das árvores e fazia montes de tropelias, até ao dia em que ele o fechou na igreja e lho tirou com um pau de marmeleiro e mais meia dúzia de rezas.
Bem! Na sexta-feira seguinte, quando o meu pai o apanhou, questionou-o logo, na galhofa:
-Então pá! Ouvi dizer que tiraste o diabo do corpo do miúdo. Conta lá como foi isso!, e ele não gostou e disse-lhe, muito grave: -Com coisas sérias não se brinca!, e como o meu pai insistiu, o padre levou a mal e deixou de lá ir comer.
Ele tinha autorização para fazer exorcismos e só depois de muitas desculpas e alguns meses é que voltou. Depois "confirmou-se" que o rapaz estava mesmo "possesso", porque lhe mostraram um crucifixo e “reagiu mal”, e que o padre teve que jejuar e estar em oração não sei quantos dias, para lhe poder tirar o diabo à pancada.
Há 50 anos, coisas como esta, eram o dia-a-dia.
O meu pai sofria muito com as paixões. Como era viúvo (mesmo antes de ser viúvo) tinha imensas paixões, e quando andava com uma amante nova, sofria e fazia-nos sofrer. Vinha mal disposto, berrava que se fartava. Era uma chatice!!
Um dia a cozinheira chamou lá uma mulher para lhe "defumar" a roupa, porque a culpa era das amantes que lhe "davam a dose” e aquilo ia fazê-lo vomitar os tais “monelhos de cabelos”. Isto era feito quando a minha avó saía. Mas a minha irmã contava-lhe tudo e a minha avó insurgia-se: Não quero cá dessas brincadeiras! Mas o certo é que lá iam, umas cuecas ou uma camisa, para defumar … . Mas não resultou. Até funcionou ao contrário. Ele cada vez arranjava mais amantes. Estava sempre apaixonado! Era o diabo!

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