domingo, 9 de abril de 2017

Lembranças do Olimpo (28) - Jesus



Jesus, não apresentava qualquer sinal de tortura. Vestia uma túnica impecavelmente branca que contrastava com a tez bronzeada, de uma vida exposta ao tempo. Esboçou um sorriso afectuoso e respondeu:
- Ia a caminho do Vaticano, quando encontrei o Arcanjo Miguel, que me disse que tu andavas a identificar mitos que possam ser úteis a uma Religião futura. Como quero participar nela, apressei-me a vir ter contigo. Parece que já tens dois – ele e o Quixote. Será que eu podia ficar com o nº 3?
Hipólito surpreendeu-se e, para não dar parte de fraco, aumentou a parada.
- Meu caro Jesus! A tua história é muito imprecisa. O que consta nos Evangelhos, foi escrito mais de sessenta anos após a tua morte e por quem terá ouvido o que os apóstolos disseram de ti. É muito diz-que-disse, de pessoas com interesse em te glorificar. Não há fontes históricas romanas, porque o teu impacto imediato foi “demasiado insignificante”.
- Eu sei! Respondeu Jesus. – Mas pergunta o que quiseres que eu, se ainda me lembrar, respondo-te!. E, dito isto, reclinou-se na cadeira, simulando estar numa sessão de psicanálise.

- Então, antes de começarmos, diz-me se aquilo que eu penso saber de ti, é verdade! Nasceste em Nazaré. Eras um judeu praticante, que leu as Escrituras. Foste baptizado por João Baptista. Fizeste um ministério, de cerca de dois anos, nas aldeias rurais da Galileia e, nas duas últimas semanas, na Judeia, mais precisamente, nas festas da Páscoa, em Jerusalém, onde entraste montado num burro, copiando o profeta Zacarias. Alguns dos teus seguidores aclamaram-te como “Messias” e “Filho de David”. Foste ao Templo e viraste as mesas dos vendedores de pombas sacrificiais e dos cambistas, enquanto os insultavas de ladrões. Depois escondeste-te, e Judas denunciou-te. Foste preso e julgado por blasfémia, pelo sacerdote Caifás, que era a autoridade máxima dos judeus, que depois te enviou a Pilatos, por ser só ele que podia decretar a pena de morte, e que deu seguimento ao seu pedido.
- Confirmo, respondeu Jesus e Hipólito questionou:

- Desculpa a minha ousadia, mas gostava de saber se, com a tua pregação, pretendias, mesmo, dar início a uma nova religião?
- Se queres uma resposta simples, ela só pode ser: Não! Já ouviste falar no “efeito borboleta”? A minha profecia de que estaria próximo o Reino de Deus na Terra, foi capaz de mobilizar muitos dos descontentes. Inicialmente foram só os judeus que se sentiram ultrajados com a execução de João Baptista, mas, depois da minha morte, com o trabalho do Paulo junto dos gentios, o mito do Reino do Deus foi muito mais agregador de boas vontades que a da miríade de deuses pagãos que os romanos apoiavam.
- Mas se o Reino de Deus, que tu profetizaste, nunca chegou, como é que ele se transformou numa religião?
- É o tal efeito borboleta, onde um pequeno facto (no caso uma ideia) consegue incorporar outros e outros, até atingir uma grande dimensão. O Velho Testamento continuou activo, mas, agora, não só para os judeus. Para incluir os gentios, teve de rever algumas das leis mais “fundamentalistas”, como a que impedia o trabalho ao sábado, o consumo de carne de porco e outros alimentos considerados impuros e a obrigatoriedade da circuncisão. Depois, aos poucos, foi integrando os valores individualistas da cultura ocidental, até ao actual “American way of life”! Não sei se sabes, mas muitas culturas, ainda agora, secundarizam o indivíduo à sociedade, coisa que o cristianismo não promove.

Hipólito estava surpreendido. Sem querer perder a oportunidade, arriscou: - Queres então dizer que, no teu ministério, induziste pessoas a acreditar em coisas que se não verificaram!
Jesus não se importunou e respondeu, calmamente. – Sim! De facto, eu profetizei que estava eminente a vinda do Reino de Deus e que Ele iria impôr a sua vontade “tanto na Terra como no Céu”. Estava convencido que o ia fazer, que eu era o Seu último enviado, e que me dera autoridade para falar e agir em Seu nome. Só depois de estar umas horas na cruz é que caí em mim. Foi então que Lhe perguntei “Pai! Porque me abandonaste!”. Mas a mensagem que passou para a posteridade não foi essa. Foi que Deus ama cada individuo, independentemente das suas imperfeições e que deseja o regresso mesmo do pior de todos. Foi esta “inversão de valores”, onde “os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”, que deu mote para que os poderosos se pusessem ao serviço de todos, com compaixão e sem grandes juízos.

- E para fazer valer a tua, era mesmo necessário teres morrido na cruz?
- Não estava nos meus planos. Eu, era um homem marcado na Galileia, onde o Herodes Antipas me chegou a considerar uma reencarnação do João Baptista. Quando entrei em Jerusalém já o Caifás estava de sobreaviso, de modo que, quando soube que os meus seguidores me saudaram com “Hosanas!”, me chamaram explicitamente “Filho de David” e aclamaram o “Reino” que estava a chegar, embora a manifestação fosse modesta, as forças de segurança passaram de alerta amarelo a laranja, que passou a “vermelho” quando entrei no Templo e derrubei as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas e comentei: “A minha casa será chamada casa de oração, … mas vós fizestes dela um covil de ladrões!”.

O médico ia de surpresa em surpresa. Ainda sem compreender a lógica de todo aquele processo, perguntou, como quem afirma: - Então, depois de uma afronta destas ao Templo sagrado de um povo, que tinha por Lei princípios ditados por Deus a Moisés, no dia em que celebravam em comunidade a Pessach - a "Festa da Libertação" dos hebreus da escravidão no Egipto em 1440 (a.C), que era a sua principal festa, a que todos os indivíduos do sexo masculino deviam participar, o que é que tu esperavas?
- Já te disse. Esperava que Deus surgisse do Céu, com os seus anjos, com grande poder e glória, e impusesse o seu Reino na Terra.

Hipólito, não resistiu e comentou: - Basicamente eras um escatologista radical que esperava que Deus interviesse na História, à semelhança do que dizia o Velho Testamento, onde Ele abrira o mar Vermelho, produzira maná no deserto e derrubara os muros de Jericó!
Jesus calou-se. “Escatologista radical” era um termo para pensar. Já lhe tinham chamado “exorcista” e “milagreiro”, mas “Escatologista radical” … . Endireitou a cadeira e sugeriu: - Se me vais aceitar com esse epíteto, prefiro o de “catalisador de efeito borboleta”, pois creio que foi o Deus que ajudei a criar que permitiu o desenvolvimento tecnológico do Ocidente, fundamental para que no mundo actual a Humanidade possa viver com algum bem-estar.

O médico concordou. – Ficas com o nº3.
Depois, saiu do automóvel, para se despedir.
- Essa coisa de procurar "fora da caixa", às vezes resulta, mas raramente beneficia o primeiro a fazê-lo.!, disse-lhe Hipólito. -Se encontrares o S. Paulo diz-lhe que eu admiro a sua coragem em levar a tua história a Roma. Aquilo é que foi meter uma lança em África.
Jesus, deu-lhe a bênção e subiu, ao som de trombetas, por um raio de sol que passava por entre as nuvens que, lentamente, se desvaneceram no ar.

Hipólito regressou a casa. Tinha que dormir sobre aquela conversa, para a conseguir integrar no que sempre lhe fora dito. Era muita informação para um só dia.

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