sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Profissionais de saúde

Texto roubado a uma filha veterinária




Quando era pequena podia ganhar dinheiro com as conversas médicas entre os meus pais. Quando eles, à mesa de jantar, se lembravam de discutir o doente da cama 15, a hemoglobina ou a bilirrubina, as tensões arteriais ou a biópsia, eu (e as minhas irmãs) caia-lhe em cima com queixas formais e multas. Salvo erro, eram 50 escudos por doente. Podia ter ficado rica, não fosse a total incapacidade de cobrar devidamente. Todos os dias, mesmo aos domingos, havia espaço para multas. Aquilo zangava-me muito. Os meus pais trabalhavam muitas horas e eu achava que deviam chegar a casa e dar atenção aos meus imensos problemas de adolescente ou ao facto de haver um disco novo que eu queria mesmo comprar e a semanada já ia curta, mas mais que isso, achava que já tinham dado demasiadas horas ao hospital para ainda o trazer para casa. Era injusto o hospital ser tão importante. No entanto, as conversas lá nos iam entrando pelos ouvidos adentro, mesmo com as zangas e as ameaças de multas (que lá os fazia pausar a discussão clínica, por minutos, e ouvir os nossos dramas existenciais), e na verdade acabamos as 3 por seguir carreiras ligadas à saúde.
Hoje, se pagasse à minha mãe por cada telefonema cheio de casos clínicos que lhe atiro no final do dia, já me tinha demitido e voltado para casa deles e  não, não é por não ter outro assunto, é porque isto pesa.
Trabalhar no ramo da saúde é uma coisa pesada. Ouçam, não vim para aqui queixar-me ou chorar o dia difícil.

Lembro-me de perguntar à minha mãe, num dia em que ela tinha discutido a morte de uma doente com o meu pai - no tempo em que as pessoas eram doentes, não eram utentes nem pacientes - se não ficava triste quando os doentes lhe morriam. LHE morriam. Ela disse que sim, que às vezes ficava, que havia doentes de quem ela gostava e que lhe custava muitíssimo, mas que os médicos não eram deuses, que havia doenças que não tinham cura, havia doentes velhos, que a morte era inevitável, e que com essas mortes ela já tinha aprendido a viver em paz. Para além da morte de doentes-amigos, havia outras que a assombravam - eram as que ela não sabia porquê, porque tinham morrido. Se não souberes o diagnóstico, não sabes se fizeste o melhor, se o podias ter salvo ou não. Isso sim, é um pesadelo. Esses eram os casos que ela e o meu pai tentavam solucionar todos os dias à mesa do jantar - as camas 15 ao lado dos tachos às cotoveladas connosco.

Hoje tive um dia difícil. Morreu-ME um cão de 16 anos que, apesar de lhe saber o diagnóstico e a idade e a inevitabilidade daquela morte, era de uma colega e que, por isso mesmo, me custou. Tenho internado um gato simpático, de uma família simpática, com um carcinoma indiferenciado abdominal que vamos operar amanhã e que apesar de todos os "fingers crossed", tem tudo para acabar mal, e por isso me custa. Tenho, na jaula ao lado, um outro cão jovem, de uma cliente adorável, que tem uma insuficiência hepática pela qual já não podemos fazer quase nada e ainda assim vamos fazendo unhas e dentes, que não sendo em lado nenhum culpa minha, me entristece. Vão ME morrer, mesmo que a culpa não seja de todo minha - diagnósticos feitos, boas práticas, consciência tranquila - o peso é nos ombros.

Hoje escrevo isto exactamente por o dia ter sido difícil e por ouvir com demasiada frequência as pessoas a dizer mal dos profissionais de saúde - os preços e as pressas. Médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, cuidadores formais e informais ligados à saúde (de medicina humana ou animal) não saem do trabalho à hora marcada e fecham a porta até às 9 da manhã seguinte. Os doentes comem connosco à mesa e dormem nas nossas almofadas.

Eu hoje ia ao cinema ver o Gaza. Não fui. Saí tarde e cansada.
Ia contar uma história palerma ao telefone à minha mãe. Não o fiz. Debitei angustias clínicas.
Ia cozinhar um jantarinho bom. É quase certo que vou jantar cereais.

A maioria dos profissionais de saúde que conheço são assim. Era bom que o mundo mandasse menos pedras. Não somos deuses e acreditem que isso também nos custa.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Natal



Natal é Pai Natal, é o S. Miguel do comércio, é a Festa da Família, é Festa da Solidariedade, é uma Orgia alimentar, é a Festa das Crianças, é o aproveitamento cristão da festa romana do nascimento de Hélios, deus do Sol (data oficial do solstício de Inverno) ... ??????

Quando uma história tem sucesso, outras se lhe irão colar, pelo que o Natal será aquilo que cada um quiser, e nada de mal daí virá ao mundo.

Para mim, o Natal celebra Jesus. Não o aparecimento do avatar de um deus, nem a criação de um semideus, mas o nascimento de um homem que deu inicio a uma revolução.

A invenção do Deus único para todos os povos, que torna todos “iguais”, independentemente da sua origem e poder, é brilhante. Até então cada povo tinha os seus deuses e os Judeus até acreditavam (e muitos ainda acreditam) serem o povo escolhido por Deus.

Jesus é o primeiro arauto do princípio da igualdade e da união, ao expandir o Deus único Judeu aos "gentios". A imprensa (Gutenberg: 1400-1468) deu um poderoso incremento à divulgação dos mesmos princípios. A Revolução francesa (1789-1799) elevou-os a Lei.

É esse o valor que celebro.

domingo, 8 de dezembro de 2019

Carta aberta a Joacine Katar Moreira,


Joacine

Ainda tenho memória do 10 de Junho ser, para o Estado Novo, o Dia da Raça, conceito que esquecia o povo “misturado” que somos, fruto de quinhentos anos a importar gente de todo o lado, a vaciná-los, a ensinar-lhes uma arte e, na incapacidade de lhes dar que fazer neste jardim à beira-mar plantado, exportá-los para a Europa e para as Américas, para os voltar a receber no fim da vida ... com as devidas reformas.

Não somos como os Ashkenazy, receosos da miscigenação mas, embora geneticamente promíscuos, mantemos a língua e umas centenas de histórias, que vão do Camões ao Ronaldo, da Amália a Nossa Senhora de Fátima, do Hóquei em Patins ao Herman José, que resistem à globalização e que nos identificam como nação.
Apesar do Homem-aranha, do Darth Vader, do Capuchinho Vermelho e do Rei Leão, já fazerem parte do nosso imaginário colectivo e o Freddy Mercury ter mais fans que qualquer grupo folclórico, tal não significa que haja espaço para todas as historietas que aqui chegam.

No caso, não trazes nada de novo, nem aparentas capacidade para congregar esforços. Julgas-te a última Coca-Cola do deserto, arvorando um “pioneirismo” de certezas, que mais não são que uma tentativa de esconder incapacidades. Ouvir-te é um pesadelo! Não só pela gaguez (num Parlamento é necessário uma voz clara e um discurso apelativo, como se exige a um jogador de futebol, da primeira divisão, uma performance física adequada), mas por, na suposta intenção de defender uma minoria difícil de integrar, descuidares que a História é para ser lida à época dos factos.

A Comunicação Social fez-te vedeta. Agora, há que deixar poisar o ruído mediático, para percebermos se o Livre o é ou se tem peias.

Passa bem

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Poema


O mundo de cada um, é os olhos que tem!, escreveu o Saramago!
...
O que está a dar, são os crematórios!, concluiu o arquitecto Souto Moura!
...
O vento lá fora, uuuUUUUHH! uuuuUUUUhhh! uuuuUUUUhhh!