Dia da Família e dos amigos do coração.
O símbolo é o presépio. Uma família minimalista. Um átomo de Deutério. Um protão, um neutrão e um electrão a girar em seu redor. Não há irmãos, primos, avós, nem burro, nem vaca. Uma estilização, com um S. José jovem, belo e enamorado, espoado de qualquer drama.
Este presépio encerra os conceitos modernos de uma família ocidental, numa sociedade competitiva, obrigada a investir na educação dos filhos, para os tornar capazes de conquistar um lugar ao sol.
Mas se a história fosse contada de outro modo, talvez não houvesse tanta crise nos valores.
Por isso, eu gosto mais do modo como Erri de Luca, põe a tónica em S. José, para que se dê espaço a motivações significativamente diferentes.
…
José vem do verbo hebraico “yasaf”, que quer dizer acrescentar. “Yosef”, à letra, é aquele que acrescenta, e eu gosto de o pensar a fazer jus ao nome e a contrapôr-se àquela sociedade que punia o adultério com a lapidação e a impedir que Maria fosse ostracizada por estar grávida de pai desconhecido.
Foram um par estranho. Maria adolescente e José, um velho viúvo. Sinto-o cansado de injustiças e a ver naquela miúda a gota de água, depois de muitas mortes por razões iníquas, a decidir ser aquela a altura de um sinal público contra essa Lei Judia, aceitando todas as contrariedades sociais, para se olhar serenamente e poder morrer com a dignidade dos justos.
Afirmou-se pai da criança e, ao desposar Maria, anulou a suspeita de adultério, mas criou um sururu em Nazareth. Um “idoso” notável noivo de uma jovem que a turba marginalizara.
Consigo imaginá-lo a dirimir razões, a negar dúvidas, a argumentar contra as desconfianças da cidade, a arrastar o problema até ao risco eminente e aí, sem hesitações, pegar no burro e na rapariga e fazer-se à estrada, sem tempo para armar uma carroça.
Só assim justifico aquela viagem de 80Km de burro, pois ninguém no seu perfeito juízo se mete a caminho com uma primípera de termo naquelas circunstâncias.
Bethlehem era o acolhimento procurado, junto da sua família original, pois a de Maria estava destroçada e impedida de lhe prestar apoio.
Com as mãos de carpinteiro, habituadas a resolver obra com inteligência e saber, fez-lhe o parto e garantiu todos os necessários para um final feliz.
É assim que eu gosto da história, sem "recenseamentos" ou "fugas a Herodes" que não fazem sentido, e nada acrescentam à figura de José.
Por fim a adopção de Jesus por inteiro. Um trabalho responsável com uma criança saudável, feliz e de fácil aprendizagem, a ensinar-lhe o que sabe, com amor, e a planear-lhe o futuro.
Com um significativo pecúlio, os outros filhos criados e o conhecimento de que outras culturas, não muitos distantes, se impunham, não só pela força das armas, mas também pela força das suas soluções, como bom judeu, apostou na educação e reuniu condições para que Jesus estudasse em Alexandria, a cuna da ciência da época, e ganhasse asas, com os gregos e todas as filosofias que ainda agora nos orientam.
Não se voltará a falar de José. Ele ir-se-á projectar no percurso do filho que lhe dá continuidade lutando por uma nova ordem que pusesse o poder ao serviço da população, onde a esperança fosse a luz desse difícil caminho, a individualidade se contivesse pelo interesse colectivo, e o erro entendido como parte da natureza.
O cravo das mãos do povo
Há 9 horas
2 comentários:
Meu capitão:
Por este bem urdido arrazoado posso inferir que a ceia foi opípara e abundantemente regada. Não, não foi com o verde cá do sítio, de certeza. Aponta mais para um Romaneira ou quiça uma Barca Velha sem rombos no casco. Parabens, pois faz soltar o Verbo e no dia seguinte se fez carne (de perú ou leitão?) de qualquer maneira digno dum bruto Murganheira ou Terras do Demo e... para rebater um Conde de Amarante .
Caro Anónimo:
Obrigado pelas amáveis palavras, mas quanto ao que julgou ser o motor da verve, cumpre-me informá-lo, a bem da verdade, que o bacalhau marchou ao som de uma Alvarinho Quinta de Melgaço 2013 e que os doces tradicionais foram cautelosamente acompanhados por um Tawny Graham’s 20 anos, pois o dia seguinte foi de trabalho no Serviço de Urgência, das 08:00h às 20:00h, a aconselhar moderação. Nesse contexto, o almoço do dia 25 de Dezembro, foi no Bar do Hospital, e foi constituído por frango com alheira, uma laranja e um copo de água da torneira. O jantar já em casa, foi a roupa velha que sobrou do almoço, e que tiveram a amabilidade de me guardar, desta vez acompanhada de um Alentejo, mais precisamente, um Conventual Reserva, 2012.
Quanto ao texto em si, há três dias que esperava o dia 25. Era para sair de manhã, mas o trabalho só o permitiu ao fim do dia, quando um clique do rato em “publicar” o fez saltar para a blogosfera.
De qualquer modo obrigado pelas dicas vinícolas, que terei em consideração em próximas oportunidades.
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