Qualquer modo de ver a realidade é necessariamente limitado. Estas são algumas das histórias que definem o meu olhar.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
Ihor Homenyuk e o SEF
Ex. mo Sr. Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF.
Fui médico hospitalar e, em contexto de Serviço de Urgência, fui muitas vezes chamado a resolver problemas associados a grande agitação de doentes que se encontravam naquele espaço e também nas enfermarias onde tinham sido internados pelas mais diversas doenças.
Frequentemente a agitação deveu-se a abstinência alcoólica, o que acarretava grande dificuldade em resolver, pois implicava não só conseguir acesso ao doente para lhe poder dar medicação, como também o uso de doses elevadas de sedativos, com risco de lhe provocar sedação excessiva e necessidade de suporte ventilatório. A actividade alucinatória é um componente que impede uma comunicação minimante eficiente.
Pela descrição que ouvi sobre o que se passou no SEF em Março de 2020, tudo me leva a supor que Ihor Homenyuk, ao segundo dia de estar retido nas instalações do aeroporto, desenvolveu um quadro de Abstinência Alcoólica. A crise epiléptica descrita pertence ao quadro. A gíria chama-lhe “rum fit” e é frequente no início da síndrome. Ihor Homenyuk esteve num Serviço de Urgência e teve alta sem lhe terem diagnosticado Abstinência. Essas “crises epilépticas não se tratam com antiepilépticos, mas com sedativos para a abstinência. Uma abstinência alcoólica não tratada pode, só por si, levar à morte, mas a contenção "sem mais nada", agrava a evolução, porque a agitação associada ao grande esforço muscular para se libertar, é equivalente ao que aconteceu aos recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu em 2016 - um grande esforço associado a desidratação, leva a alterações metabólicas graves com falência multi-orgânica.
Eu não quero crer que o pessoal do SEF o tenha agredido. Acredito que não soube lidar com um indivíduo agitado e que o manteve imobilizado "demasiado tempo" na esperança infundada de "ele acalmar”.
Os médicos chamados a dar opinião, não o fizeram dentro da “melhor arte”, talvez por não terem acesso a informação suficiente.
1: quem o observou no SU, não diagnosticou Abstinência Alcoólica e deu-lhe alta.
2: o médico do INEM, encontrou-o em "paragem cardio-respiratória", isto é - morto. Não é dito o que escreveu na Certidão de Óbito.
3: o médico de Medicina Legal escreveu que as lesões que causaram a morte foram causadas por “agressão”, não especificando se desencadeadas por “auto-agressão” ou por manobras de contenção demasiado prolongadas.
Ihor Homenyuk pode ter caído, ter batido com a cabeça em qualquer lado com sequentes lesões cerebrais, pode ter fracturado costelas ou outros ossos nessas quedas, pode apresentar múltiplas equimoses sem que elas signifiquem violência intencional, mas decorrentes das quedas ou das manobras de contenção, e pode ter falecido em consequência dessas lesões ou das alterações metabólicas que referi.
Parece-me imprudente que o Presidente da República, Ministros e Líderes Partidários (da Esquerda à Direita), venham a terreiro falar em “HOMICÍDIO”, antes das alegações da Defesa e de um Juiz se pronunciar, como que a arranjar um “bode expiatório” para acalmar a população.
Eu não isento de culpas os elementos do SEF presentes nos dias dos factos. Era sua obrigação ter assumido que aquele nível de contenção não se devia prolongar e ter tido o discernimento de contactar uma chefia mais esclarecida ou referenciá-lo a um hospital.
Recuso a teoria do “mataram-no à pancada!” Era mau demais!
Para mais esclarecimentos, ficarei ao vosso dispor.
Cumprimentos
https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/despedido-medico-que-denunciou-morte-de-ihor-homeniuk?fbclid=IwAR2zJlwSEm2i4Lk3MEXSExm9vtfX0s4bchgCDSl6WvCh_vvdZsbD_X6m_2s
ResponderEliminarTens fundamentação quanto à dependência alcoólica do falecido?
ResponderEliminarMesmo nesse caso não penso, nem de pé perto, nem de longe, isto sirva para ilibar o SEF? Antes pelo contrário, deixar morrer alguém por falta de cuidados médicos, é crime!
Não iliba, mas torna a coisa diferente. O que se diz é compatível com abstinência alcoólica. Conter esta situação por gente impreparada é com alguma arrogância é um desastre.
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