Nem tudo é sorte, mas sem ela, pouco ou nada é possível.
É preciso Sorte em nascer saudável, com bons genes, dentro de uma família coesa, responsável e influente. Sorte em ter bons professores e amigos que nos ajudem a definir e a progredir nos sonhos. Sorte em encontrar a feliz coincidência entre as nossas capacidades e as necessidades do mercado. E sorte em manter a saúde necessária ao esforço e empenhamento que o sucesso exige.
Só os ignorantes atribuem os altos rendimentos a mérito e os baixos a falta dele. A fraca relação entre mérito e sucesso não “legitima” a arrogância dos vencedores, nem deve desmoralizar quem não conseguiu subir na escala social.
Nas últimas décadas, Portugal entrou na onda (muito “americana”) de entender o valor de uma pessoa pela sua riqueza patrimonial e vai de dar medalhas de mérito a gente cujo sucesso deriva de alguma agilidade em lidar com o dinheiro, frequentemente o dos outros.
São difíceis de entender os altos vencimentos dos banqueiros, e os grandes lucros da gente que vive de negócio de oportunidade lembram-me uma história (ignoro a veracidade) de um cirurgião que sai do Bloco Operatório de mãos no ar e luvas ensanguentadas, para dizer ao marido que, ansioso, aguarda: “Surgiu uma complicação! Vamos ter que tirar o apêndice! São mais 200 euros! Que diz?”
Um vizinho meu conta-me, de olhos arregalados, que “fulano” está podre de rico a vender material que vai buscar França por dez e vende em Portugal por cinquenta. Ele não admira quem estudou ou se envolveu socialmente. Ele admira quem aproveitou a oportunidade.
Não nego valor a quem está atento ao “mercado”. Não lhe dou é especial mérito. Estas “oportunidades” de comprar num lado e vender noutro, geralmente associadas a nichos de mercado em expansão, dão origem a novos ricos que raramente investem em educação ou em estruturas socialmente úteis. O mais comum é gastarem em automóveis topo de gama e grandes almoçaradas.
Portugal deve ser o país da Europa onde há mais “Armandos Vara”, “Duartes Lima” e Loureiros de toda a espécie, uns a Dias, outros Valentões que, vindos do nada, usam empréstimos dos Bancos Públicos e Privados, para a “grande trafulhice” que lhes permite acarretar somas avultadas, não declaradas, e por isso, livre de impostos. São gente que anda atrás das “oportunidades” nas margens da legalidade, habitualmente “aconselhados” por Bancos, advogados e contactos conseguidos na “política”, enquanto o Portugal dos pequeninos se entretém a trabalhar e a pagar os impostos para que as estradas, os Hospitais e as outras funções do Estado lhes garanta as condições para o saque.
Nestes últimos anos tem sido difícil dar credibilidade ao nosso Estado. Tivemos um Primeiro Ministro a receber dinheiro em envelopes, um grande Banco privado a enganar depositantes, o Banco de Portugal a fingir que não via, um Joe Berardo de mil milhões de dívidas e o seu arrogante “Ah, Ah, Ah!” e todos esperamos o novo escândalo de amanhã.
Mas também é difícil acreditar numa população cujo imaginário é dominado pelo negócio de oportunidade, seja ele vender uma bouça no meio do nada a um árabe, para um palácio, ou gastar o que lhe faz falta em raspadinhas, na esperança que a Segurança Social lhe garanta o que lhe falta viver, maldizendo a sua pouca sorte e com ressentimento de quem se esforçou para ter uma vida melhor.
Um sistema económico deve ser julgado menos pela eficácia na satisfação dos desejos dos consumidores, e mais pelo desejos que gera e pelo tipo de carácter que forma na população. Eticamente, a criação de desejos "certos" é mais importante que a satisfação dos desejos quaisquer que eles sejam.
Leio no Expresso desta semana (23/07/20121), a crónica de Henrique Raposo:
ResponderEliminarAs crianças que crescem num casamento sólido são cada vez mais uma minoria - a minoria privilegiada. Seja ela negra, hispânica, asiática ou branca, uma criança faz parte da minoria privilegiada se viver numa casa sem divórcio. Não é o género, não é a raça, não é a orientação sexual, nem sequer é a classe social. É o casamento. Quando se analisam as possibilidades de sucesso de uma criança, é claro que o factor fundamental é a classe social, e não o género ou a raça. No entanto, se crescer numa família sólida, a criança pobre tem mais hipóteses de ascender pelo estudo.
Tudo se torna mais difícil no contexto do divórcio e sobretudo no contexto de uma marca social do Ocidente do século XXI: a fuga do pai. Os homens, sobretudo negros, brancos e hispânicos, tendem a fugir das suas responsabilidades – o exacto oposto do homem asiático (indiano, coreano, chinês), que permanece ancorado à família e à paternidade. Não é por acaso, as crianças asiáticas estão a superar em todos os níveis as crianças negras e também as brancas pobres.
Para mais informação comparativa, leiam, por favor, na “Spectator”, uma peça de Edward Davies, “Forget race or class, marriage is the big social divide”. Aqui quero apenas salientar que este assunto, aoesar de ser vital, é um tabu. Não se pode falar de casamento, porque é visto como um assunto “reaccionário”. Não se pode falar de casamento, porque a agenda “cool” exige que se fale apenas de questões identitárias e de racismo e de machismo. Esses pontos são legítimos, sim, mas não são o nó górdio. Antes de ter a tez escura e de ser do sexo feminino, uma rapariga negra é, antes de tudo, pobre. E a sua pobreza é reforçada porque vive apenas com a mãe. Cerca de 70% das crianças negras nos EUA crescem sem o pai. É o inverso da miúda asiática que tem de lidar com o mesmo contexto social: também é de uma minoria étnica, também é pobre. Só que esta rapariga tem algo que a rapariga negra não tem: uma cultura familiar e, sim, conservadora, que mantém o pai preso ao casamento e à estabilidade que permite a ascensão dos filhos.
O colapso da família é pior que o desemprego. O emprego vai e vem. A família é a estrutura que suporta uma pessoa nos momentos de desemprego, dando-lhe uma sensação de segurança e, por arrasto, uma mente mais racional e calma. Portanto, tenhamos coragem para ver a evidência: antes de qualquer outro factor, o que atrasa a vida de uma rapariga negra não é o racismo ou o machismo, é o colapso do casamento, o divórcio, a fuga do pai às suas responsabilidades. E – repito – encontramos o mesmo fenómeno nos brancos pobres.
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A eterna adolescência dos homens é o grande problema da sociedade ocidental. É a causa da nossa decadência. “É só meninos”, como dizia o meu velho.