É impossível entender o que quer que seja sem um mínimo de conhecimentos base.
E=mc2 não significa nada para o comum dos mortais, mas deu a imortalidade a Einstein.
Os bons técnicos, nas diversas profissões, conhecem o esforço e a delicadeza necessárias para resolver os problemas de modo a respeitar o equilíbrio dos diferentes valores em jogo.
As soluções menos evidentes são muitas vezes as mais difíceis de conseguir para que o resultado final se integre no conjunto e, aquilo que aos olhos dos leigos aparenta facilidade é frequentemente fruto de muito saber e pesquisa.
Os arquitectos são das profissões menos entendidas no país. Talvez por culpa de uns quantos que descredibilizaram a classe assinando projectos de desenhadores, engenheiros e mestres de obras com o beneplácito das Câmaras Municipais, enxameadas de interesses e de profissionais incapazes.
Como a maioria dos nossos juizes vê o arquitecto como um “artista” e não como um técnico qualificado, nos litígios o que mais influencia as suas decisões são as medidas (alturas, distâncias, volumes e ângulos) como se o sim ou o não de uma obra se limitasse a estes parâmetros.
O resultado final é o licenciamento da mediocridade.
Quando ouço alguém que vai construir casa e se quer impor ao arquitecto, lembro-me sempre de um doente com uma psicose maníaca que quando lhe foi perguntado que casa iria construir com todo o dinheiro que confabulava ter adquirido num negócio de milhões, dizia:
- “vai ser uma casa grande: Rés-do-chão, 1º andar, Esquerdo e Direito!”
Qualquer modo de ver a realidade é necessariamente limitado. Estas são algumas das histórias que definem o meu olhar.
sábado, 31 de maio de 2008
domingo, 25 de maio de 2008
Ribeira de Pena 1977
Tinha acabado o curso de Medicina em 1974 e, como a maioria dos jovens portugueses, sentia-me parte da onda gerada no 25 de Abril.
Estivera 2 anos a trabalhar no Hospital de S. João, tinha já algum à-vontade com as principais doenças e o facto de ter uma filha com meses e toda a família no Porto, não constituía obstáculo à minha participação activa naquele serviço cívico que era o Serviço Médico à Periferia.
Iria com a minha mulher, e a miúda ficaria transitoriamente entregue aos cuidados dos meus pais.
Abrimos o Mapa de Portugal na região Norte com o Mapa das Vagas ao lado e, sem nunca lá termos ido, escolhemos Vila Pouca de Aguiar / Ribeira de Pena.
Na manhã do primeiro dia de Fevereiro de 1977, acordamos a distribuição. Iríamos dar apoio ao Internamento e ao Serviço de Urgência do Hospital de Vila Real, a minha mulher e um casal de colegas ficariam no Centro de Saúde de Vila Pouca de Aguiar e eu mais outros dois iríamos para Ribeira de Pena.
Na tarde desse mesmo dia fui pela primeira vez a Ribeira de Pena. O Centro de Saúde funcionava numa casa degradada dos anos 50 com a cozinha a fazer de Sala de Tratamentos e os 3 quartos de Sala de Espera e Consultórios. Um administrativo e uma enfermeira garantiam-lhe a porta aberta e, como não havia mais médicos no concelho, distribuímo-nos por Ribeira de Pena e Cerva.
Depois perguntei por dormida e mostraram-me um quarto acanhado com uma cama de ferro, uma cadeira e um guarda-vestidos desengonçado, na casa da Junta de Freguesia em frente. Rejeitei. O quarto na Estalagem Cabanelas em Vila Real compensava aquele desterro, enquanto não encontrasse mais perto outro poiso com alguma dignidade.
Estivera 2 anos a trabalhar no Hospital de S. João, tinha já algum à-vontade com as principais doenças e o facto de ter uma filha com meses e toda a família no Porto, não constituía obstáculo à minha participação activa naquele serviço cívico que era o Serviço Médico à Periferia.
Iria com a minha mulher, e a miúda ficaria transitoriamente entregue aos cuidados dos meus pais.
Abrimos o Mapa de Portugal na região Norte com o Mapa das Vagas ao lado e, sem nunca lá termos ido, escolhemos Vila Pouca de Aguiar / Ribeira de Pena.
Na manhã do primeiro dia de Fevereiro de 1977, acordamos a distribuição. Iríamos dar apoio ao Internamento e ao Serviço de Urgência do Hospital de Vila Real, a minha mulher e um casal de colegas ficariam no Centro de Saúde de Vila Pouca de Aguiar e eu mais outros dois iríamos para Ribeira de Pena.
Na tarde desse mesmo dia fui pela primeira vez a Ribeira de Pena. O Centro de Saúde funcionava numa casa degradada dos anos 50 com a cozinha a fazer de Sala de Tratamentos e os 3 quartos de Sala de Espera e Consultórios. Um administrativo e uma enfermeira garantiam-lhe a porta aberta e, como não havia mais médicos no concelho, distribuímo-nos por Ribeira de Pena e Cerva.
Depois perguntei por dormida e mostraram-me um quarto acanhado com uma cama de ferro, uma cadeira e um guarda-vestidos desengonçado, na casa da Junta de Freguesia em frente. Rejeitei. O quarto na Estalagem Cabanelas em Vila Real compensava aquele desterro, enquanto não encontrasse mais perto outro poiso com alguma dignidade.
Só mais tarde fiz o reconhecimento. Ribeira de Pena no Inverno era um buraco frio, húmido e sem sol, com a Igreja a dominar pouco mais de uma centena de casas mal cuidadas, onde sobressaíam duas ou três ruínas de casas senhoriais do início do século. Na periferia ponteavam as casas inacabadas dos emigrantes e outras de pedra escura e sem reboco, com o fumo a denunciar lareiras continuamente acesas. Os caminhos degradados distanciavam-lhe as aldeias. A população (~11.000 habitantes) rural, analfabeta e pobre na sua maioria, tinha péssimos hábitos de higiene, pois tomar um banho no Inverno ou até o simples mudar de roupa eram actos temerários.
Para os auscultar ou para lhes observar os corpos, havia de desmontar uma série interminável de camisolas, combinações, espartilhos, casacos, xailes e o que mais houvesse que guardasse o calor, o sebo, o cheiro a fumado e a suor retido de Setembro a Abril, mais a desconfiança ressentida dos GNR, Serviços Florestais, Veterinários, Hospitais, etc... a quem atribuíam os mais diversos oportunismos.
O estar longe de casa, a viver num quarto com uma mala de roupa, com uma filha entregue aos cuidados dos avós e um Marão de curvas a alongar a estrada não se sobrepunham aquele desafio, nem os maqueiros gingões e os médicos desactualizados do Hospital de Vila Real com a ideia maluca de que “para cá do Marão mandam os que cá estão” eram causa de desânimo.
A população agradecia e surpreendia-se quando se decidia a continuidade dos tratamentos mais difíceis nos Hospitais de Vila Real ou do Porto com melhorias onde até então era “morte certa”, pelo que, um mês depois, já alugara um quarto na casa do Chiquinho da Farmácia, com os benefícios da hospitalidade transmontana.
Foi um tempo de desbravar soluções, umas com a funcionalidade instalada, outras com recurso aos expedientes de momento, porque a medida eram os resultados.
Mas foi também a oportunidade para conhecer a intimidade daquela região sustentada pela emigração e pelo transcendente das histórias, o seu modo de entender a vida e o seu modo de aceitar a morte.
Em Fevereiro de 1998 esse tempo acabou. Mais tarde regressei vestido de turista, mas a falta dos dramas, das angústias, dos cheiros e desconfortos tornara tudo frio e desaconchegado, ... irreconhecível!
Nunca mais lá voltei!
terça-feira, 20 de maio de 2008
O Senhor Doutor do Porto
No último mês perdera todo o gosto pela Quinta e mesmo a família a que era tão chegada, via-se e desejava-se para lhe arrancar uma atenção.
A doença arrastava-se há dois anos. Tudo começara de modo insidioso. Primeiro deixara de madrugar como sempre fizera, seguira-se o emagrecimento inexplicado, as consultas e os tratamentos no Porto a deixarem-na cada vez mais debilitada, mas ainda com a esperança de voltar à vida de todos os dias.
A última vindima fora a sua última vitória, mas o Inverno tirara-lhe o ânimo e, não fora a sua sobrinha Aurora, que lhe queria como a uma mãe, não aguentaria uma semana.
Ultimamente passava horas absorta à janela a ver a chuva e o vento a varrer as folhas, enquanto revia mentalmente os grandes acontecimento que testemunhara.
A doença arrastava-se há dois anos. Tudo começara de modo insidioso. Primeiro deixara de madrugar como sempre fizera, seguira-se o emagrecimento inexplicado, as consultas e os tratamentos no Porto a deixarem-na cada vez mais debilitada, mas ainda com a esperança de voltar à vida de todos os dias.
A última vindima fora a sua última vitória, mas o Inverno tirara-lhe o ânimo e, não fora a sua sobrinha Aurora, que lhe queria como a uma mãe, não aguentaria uma semana.
Ultimamente passava horas absorta à janela a ver a chuva e o vento a varrer as folhas, enquanto revia mentalmente os grandes acontecimento que testemunhara.
Oitenta e sete anos a zelar por um nome e por um património extenso e frágil, deram-lhe a têmpera. A viuvez precoce tornara-a seca e objectiva, para formar os três filhos com o dinheiro da amêndoa e do azeite, já que o vinho mal se pagava.
Tinha assistido ao abandono das grandes quintas vizinhas e resistira, com uns poucos letrados da aldeia, para dar um rumo ao esforço das gentes do campo.
Um dia surgiram náuseas e as dores atormentaram-na. Pediram-lhe para voltar ao Porto para mais exames. Recusou. Mudou-se-lhe o tratamento sem qualquer melhoria, para angustia dos familiares.
O médico, esgotado de soluções, sugeriu a observação por um colega do Porto, afamado professor na Universidade que, com a sua experiência, poderia ver onde ele, sem outros meios, não via.
Que sim! Que se fizesse tudo!
Por especial favor e lembrando os tempos de Faculdade, combinou-se a sua vinda no dia seguinte às 11 horas da manhã.
Às oito começaram os preparativos, às dez chegou o padre e às onze e meia foi com alegria que viram o médico da casa e o senhor Doutor do Porto, percorrer o longo corredor até ao quarto escuro da doente.
Fez duas perguntas de circunstância. Tomou-lhe o pulso, viu-lhe o branco dos olhos e, antes de a destapar para a examinar, pôs-lhe a mão na nuca e flectiu-lhe um pouco a cabeça...
e … para espanto de todos, a Dona Maria Rufina morreu!
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Árvores
Raramente encontro um citadino que saiba diferençar as principais árvores da sua cidade - plátanos, carvalhos, tílias, choupos, áceres, amieiros, bétulas, olaias, liquidambares, tuías, cedros, ciprestes ... , para não falar das menos comuns como as amoreiras, as agreiras, as sequóias ou as Ginko Biloba.
Esta ignorância leva a que grande parte da população as desrespeite e só lhes sinta a falta quando as perde.
Os serviços camarários não as promovem e muitas vezes até as agridem para defesa de valores bem menores.
Nalgumas espécies, uma árvore só atinge a maturidade com várias centenas de anos.
Esta ignorância leva a que grande parte da população as desrespeite e só lhes sinta a falta quando as perde.
Os serviços camarários não as promovem e muitas vezes até as agridem para defesa de valores bem menores.
Nalgumas espécies, uma árvore só atinge a maturidade com várias centenas de anos.
Há ainda no nosso planeta Teixos e Oliveiras com 2.000 anos e Sequóias com 2.200, mas o nosso ciclo de vida só nos permite assistir a parte significativa da vida das árvores que se nos assemelham em longevidade como os Choupos (100 anos) e os Pinheiros bravos (200 anos).
Felizmente que há uns carolas que vão anotando este nosso património: http://arvoresdeportugal.free.fr/IndexArborium/index0arborium.htm ,
http://arvoresleiria.blogspot.com/ ou http://dias-com-arvores.blogspot.com/.
Felizmente que há uns carolas que vão anotando este nosso património: http://arvoresdeportugal.free.fr/IndexArborium/index0arborium.htm ,
http://arvoresleiria.blogspot.com/ ou http://dias-com-arvores.blogspot.com/.
terça-feira, 13 de maio de 2008
Perturbação de Personalidade
Nascera filha de família rica (com negócios na cidade e propriedades na aldeia), enovelada de memórias.
O Colégio de Freiras disciplinara-lhe os gestos, os ritos e as regras sociais, e embora ouvisse as mesmas palavras que os irmãos, a vida separou-lhes os futuros, iludindo-a no mito "da dona de casa rica, com criados às ordens".
O casamento aumentou-lhe a ilusão na figura de um jovem galante e bem falante, mas pouco dado a trabalhos, que em poucos anos lhe destruiu a herança em luxos e Casinos, e que acabou numa fuga apressada para o Brasil, deixando-a para trás com uma filha nos braços.
Pressionada, ainda tentou a contra-gosto um emprego, mas meses de desajustes e incumprimentos atiraram-na para a dependência total de uma irmã, sem com isso perder a altivez e os hábitos.
Quando lhe foi diagnosticado “Perturbação de Personalidade” já poucas esperanças havia de a verem autónoma.
…
A inactividade e este padrão de vida, levaram-na à obesidade e a acrescidas preocupações com a sua saúde.
Nesse dia, em deferência à irmã, fora recebida preferencialmente na consulta, o que a enalteceu e, quando o médico lhe perguntou se tinha algum alimento, em particular, de que não gostasse, para lhe prescrever a dieta, endireitou-se na cadeira, semicerrou os olhos, fez um bico com a boca e, com ar enfatuado, respondeu:
- “Por favor, não me ponha ostras!”
O casamento aumentou-lhe a ilusão na figura de um jovem galante e bem falante, mas pouco dado a trabalhos, que em poucos anos lhe destruiu a herança em luxos e Casinos, e que acabou numa fuga apressada para o Brasil, deixando-a para trás com uma filha nos braços.
Pressionada, ainda tentou a contra-gosto um emprego, mas meses de desajustes e incumprimentos atiraram-na para a dependência total de uma irmã, sem com isso perder a altivez e os hábitos.
Quando lhe foi diagnosticado “Perturbação de Personalidade” já poucas esperanças havia de a verem autónoma.
…
A inactividade e este padrão de vida, levaram-na à obesidade e a acrescidas preocupações com a sua saúde.
Nesse dia, em deferência à irmã, fora recebida preferencialmente na consulta, o que a enalteceu e, quando o médico lhe perguntou se tinha algum alimento, em particular, de que não gostasse, para lhe prescrever a dieta, endireitou-se na cadeira, semicerrou os olhos, fez um bico com a boca e, com ar enfatuado, respondeu:
- “Por favor, não me ponha ostras!”
quarta-feira, 7 de maio de 2008
A Primeira vez
Encontrávamo-nos no Café todos os dias. Às vezes quatro, outras dez. Sabíamos quase tudo de todos - onde estavam, com quem andavam e onde tinham ido.
Era uma família de jovens que se reunia para falar ou dar ponto de partida para uma qualquer aventura.
Partilhávamos vontades, angústias e a história dos sucessos, num tempo de afirmação, onde as pequenas audácias eram gestos heróicos e, no temor do despeito, as fraquezas não tinham lugar.
Discutia-se religião, automóveis, filosofava-se a vida, e punham-se muitos condimentos no feminino para animar as conversas.
De vez em quando, uma fanfarronice elevava o tom e era tema para que se escalassem valores. Outras vezes era dúvida que ficava no ar, como naquele dia em que alguém timidamente segredou:
-“O Tomé vai à Madadena!”
A Madalena era uma prostituta que vivia nas traseiras da Capela das Almas, no Porto. Um infortúnio para o padre Brochado, nosso professor de Religião e Moral que, sem sucesso, diligenciara em múltiplas instâncias afastar tão impura actividade.
Comentou-se em surdina e aventaram-se pormenores, e dias depois do suposto acto, questionou-se “o homem”, que sistematicamente respondeu por evasivas e desconforto, pelo que, para não ferir sensibilidades, entendeu-se que o melhor era arrumar o assunto na gaveta das coisas mal arrumadas.
A vida tornou os nossos encontros esporádicos e, vinte anos passados, alguém se lembra de um jantar de confraternização da “malta do Café”.
Vêm todos com as famílias e o ânimo em alta. Pergunta-se o presente, relembra-se o passado e, longe das condicionantes dos 19 anos e dos pratos da sobremesa, pergunto ao Tomé, que se levantara do meu lado:
-“Conta-me lá essa história da Madalena. Nunca contaste. Tu foste mesmo lá?”
E enquanto nos afastávamos e me metia o braço contou-me, no meio de risadas contidas, a desdita daquele dia:
- que a senhora o recebeu desnudada da cintura para cima,
- que o quarto tinha a cama mal feita e um penico por baixo,
- que se ouvia claramente o relato de um jogo de hóquei em patins Portugal-Itália.
- que a senhora fez tudo o que pôde para lhe dar uma alegria, desdobrando-se em compreensões e voluntarismos,
- que ele se manteve incapaz de qualquer gesto de masculinidade
- e que, ao fim de pouco mais de 10 minutos, lhe implorou:
-“Oh minha Senhora, deixe-me ir embora! Eu pago na mesma, mas deixe-me ir embora!
segunda-feira, 5 de maio de 2008
O que a vida me ensinou
Que a realidade é mais rica que a imaginação.
Que a verdade é circunstancial.
Que o Homem justifica todos os seus actos.
Que o que nos condiciona é muito variável.
Que os valores evoluem.
Que a ignorância gera infelicidade.
Que o excesso de informação gera confusão.
Que o conhecimento deve ser harmonioso.
Que é necessário orientação e esforço para se saber o que se quer.
Que a felicidade está no equilíbrio entre nós e os outros.
sexta-feira, 2 de maio de 2008
Eu, Artista de Teatro
1979 (?)
Um dia chego a casa e a minha mulher convida-me para irmos ao Teatro Experimental do Porto, ver a “Birra do Morto”, com encenação de Mário Viegas.
A sala onde o TEP o apresentava situava-se para os lados do Cinema Trindade numa Colectividade que eu desconhecia.
À chegada, tivemos dificuldade em identificar a bilheteira e já com os bilhetes na mão, questionávamos se naquele espaço, onde grupos de Idosos dispostos em volta de um Bar jogavam à cartas, pudesse haver um Teatro.
Mas como outros deambulavam, com o mesmo ar que nós, a aguardar que uma porta se abrisse e assim se identificasse a entrada da Sala de Espectáculos, confiámos.
Bem depois da hora marcada, apareceu numa das portas o Mário Viegas, com vários “fumos” na mão, para que os espectadores os colocassem no braço em sinal de luto.
De seguida percorremos em fila um longo corredor estreito e mal iluminado, no fim do qual entrámos numa sala onde se dispunham 3 filas de cadeiras em U em volta de uma mesa com um caixão e várias palmas de flores.
O público ficava na sala/palco como que a velar o morto que estava dentro do caixão.
Sentámo-nos na 2ª fila e rapidamente todas as cadeiras foram ocupadas, já que não devíamos ser mais de 100 pessoas.
Iniciou-se então o velório. Tudo em silêncio, a olhar uns para os outros, à espera que a peça começasse. Ao fim de largos minutos neste estar, começaram movimentos e conversas segredadas para os lados, a denotar o desconforto daquele insólito início.
A certa altura, quando eu tentava controlar o riso despertado pelo caricato de toda aquela situação, agravado pelos insistentes pedidos de descrição que a minha mulher me fazia, deparo com uma rapariga do outro lado do U em estado de “riso eminente e incontrolável”, como o meu, que me faz disparar o riso até aí contido.
Para piorar, a senhora que estava à minha frente (mais tarde vim a saber que era a viúva), volta-se para trás e, com ar recriminatório e dedo esticado sobre o nariz, admoesta-me:
A sala onde o TEP o apresentava situava-se para os lados do Cinema Trindade numa Colectividade que eu desconhecia.
À chegada, tivemos dificuldade em identificar a bilheteira e já com os bilhetes na mão, questionávamos se naquele espaço, onde grupos de Idosos dispostos em volta de um Bar jogavam à cartas, pudesse haver um Teatro.
Mas como outros deambulavam, com o mesmo ar que nós, a aguardar que uma porta se abrisse e assim se identificasse a entrada da Sala de Espectáculos, confiámos.
Bem depois da hora marcada, apareceu numa das portas o Mário Viegas, com vários “fumos” na mão, para que os espectadores os colocassem no braço em sinal de luto.
De seguida percorremos em fila um longo corredor estreito e mal iluminado, no fim do qual entrámos numa sala onde se dispunham 3 filas de cadeiras em U em volta de uma mesa com um caixão e várias palmas de flores.
O público ficava na sala/palco como que a velar o morto que estava dentro do caixão.
Sentámo-nos na 2ª fila e rapidamente todas as cadeiras foram ocupadas, já que não devíamos ser mais de 100 pessoas.
Iniciou-se então o velório. Tudo em silêncio, a olhar uns para os outros, à espera que a peça começasse. Ao fim de largos minutos neste estar, começaram movimentos e conversas segredadas para os lados, a denotar o desconforto daquele insólito início.
A certa altura, quando eu tentava controlar o riso despertado pelo caricato de toda aquela situação, agravado pelos insistentes pedidos de descrição que a minha mulher me fazia, deparo com uma rapariga do outro lado do U em estado de “riso eminente e incontrolável”, como o meu, que me faz disparar o riso até aí contido.
Para piorar, a senhora que estava à minha frente (mais tarde vim a saber que era a viúva), volta-se para trás e, com ar recriminatório e dedo esticado sobre o nariz, admoesta-me:
-"Chiiiiiiiu!!!!!!"
Peguei num lenço, assoei-me, ri às lágrimas, num riso desgovernado que em vão tentava disfarçar.
A peça finalmente começou e aos poucos aquela tensão abrandou, o que me permitiu assistir à representação.
A “Birra do Morto” de Vicente Sanches (1973) é uma "Farsa Trágica" cujo personagem principal é um morto que se recusa a ser enterrado, desprezando todos os argumentos que as personagens (o médico, a viúva, o Dono da Agência Funerária, etc.), que já tinham organizado a vida contando com a sua morte, lhe apresentam. No final é subjugado por agentes da Guarda Nacional Republicana e fechado à força no caixão para que tenham lugar as cerimónias fúnebres.
A peça em si não era tão hilariante quanto o seu princípio prometia, mas seguia-se com agrado.
Perto do fim, quando o morto se recusa voltar para o caixão e tenta fugir, alguém chama a GNR para repor a ordem.
Surgem de imediato 2 fulanos vestidos de GNR, perguntam vagamente o que se passa e, sem muitas delongas, desatam a identificar pessoas da sala. Um dirige-se para o cangalheiro e outro vem direitinho … a mim!!!:
-“Identifique-se!” (o fulano deve ter-me visto a rir no início).
Num repente fico no centro de todos os olhos. Embaraçado, levanto-me, procuro a carteira no casaco e topo que não a trouxe. Aflito e com toda a gente à espera do meu desempenho, meto a mão no bolso das calças onde tinha um cartão de visita que um delegado de Informação Médica me tinha dado de manhã e estendo-lho, confiante:
-“Aqui tem!”.
O GNR pega no papel, mira-o de um lado e do outro, fita-me nos olhos e diz-me, com ar autoritário:
- “Isto não é identificação que se apresente! Identifique-se, se faz favor!” Insistiu.
Esgotado nas soluções, ainda tive forças para dizer com voz trémula:
-“É o que tenho!” e … ficaríamos ali num impasse, se a viúva não acorresse em meu auxílio dizendo que eu era “muito amigo da família”, que “confirmava a minha identidade” e que “até punha as mãos no fogo por mim!”.
O GNR olhou de novo para o cartão e depois de me medir de cima a baixo, disse com ar contrariado:
-“Está bem! Se esta Sra. assume essa responsabilidade …!” e para meu alívio, virou costas e foi identificar um dos outros actores, dando assim por terminada a minha meteórica intervenção nos palcos do teatro português.
Peguei num lenço, assoei-me, ri às lágrimas, num riso desgovernado que em vão tentava disfarçar.
A peça finalmente começou e aos poucos aquela tensão abrandou, o que me permitiu assistir à representação.
A “Birra do Morto” de Vicente Sanches (1973) é uma "Farsa Trágica" cujo personagem principal é um morto que se recusa a ser enterrado, desprezando todos os argumentos que as personagens (o médico, a viúva, o Dono da Agência Funerária, etc.), que já tinham organizado a vida contando com a sua morte, lhe apresentam. No final é subjugado por agentes da Guarda Nacional Republicana e fechado à força no caixão para que tenham lugar as cerimónias fúnebres.
A peça em si não era tão hilariante quanto o seu princípio prometia, mas seguia-se com agrado.
Perto do fim, quando o morto se recusa voltar para o caixão e tenta fugir, alguém chama a GNR para repor a ordem.
Surgem de imediato 2 fulanos vestidos de GNR, perguntam vagamente o que se passa e, sem muitas delongas, desatam a identificar pessoas da sala. Um dirige-se para o cangalheiro e outro vem direitinho … a mim!!!:
-“Identifique-se!” (o fulano deve ter-me visto a rir no início).
Num repente fico no centro de todos os olhos. Embaraçado, levanto-me, procuro a carteira no casaco e topo que não a trouxe. Aflito e com toda a gente à espera do meu desempenho, meto a mão no bolso das calças onde tinha um cartão de visita que um delegado de Informação Médica me tinha dado de manhã e estendo-lho, confiante:
-“Aqui tem!”.
O GNR pega no papel, mira-o de um lado e do outro, fita-me nos olhos e diz-me, com ar autoritário:
- “Isto não é identificação que se apresente! Identifique-se, se faz favor!” Insistiu.
Esgotado nas soluções, ainda tive forças para dizer com voz trémula:
-“É o que tenho!” e … ficaríamos ali num impasse, se a viúva não acorresse em meu auxílio dizendo que eu era “muito amigo da família”, que “confirmava a minha identidade” e que “até punha as mãos no fogo por mim!”.
O GNR olhou de novo para o cartão e depois de me medir de cima a baixo, disse com ar contrariado:
-“Está bem! Se esta Sra. assume essa responsabilidade …!” e para meu alívio, virou costas e foi identificar um dos outros actores, dando assim por terminada a minha meteórica intervenção nos palcos do teatro português.