terça-feira, 28 de abril de 2009

E o Povo, Pá?

Eduardo Prado Coelho (1944 – 2007) - Medite

A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada.

Por isso começo a suspeitar que o problema não está no “trapalhão” que foi Santana Lopes ou na “farsa” que é o Sócrates. O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria prima de um país.
Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o Euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito dos demais.

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos ....e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país:

- Onde a falta de pontualidade é um hábito;

- Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano.

- Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do Governo por não limpar os esgotos.

- Onde pessoas se queixam que a Luz e a água são serviços caros.

- Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.

- Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.

- Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.

- Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.

- Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.

- Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não. Não. Não. Já basta. Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa. Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...

Fico triste. Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.

Qual é a alternativa? Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror?

Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias.

Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. Está muito claro... Somos nós que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos: Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.

Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.

E você, o que pensa?.... *MEDITE*!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Emparedadas e Alienados


Além de grande número de pobres, doentes, velhos incapazes de trabalhar, viúvas e órfãos, inválidos de guerras, leprosos e outros, que constituíam a maioria da legião de necessitados de toda a forma de assistência, as emparedadas (porque em geral eram mulheres) e os alienados merecem, sem dúvida, uma referência especial. Realmente, entre as grandes desventuradas que a caridade benfeitora socorria, encontravam-se as enceladas, inclusas ou emparedadas, barbaríssima penitência mal conhecida e impressionante da Idade Média.
Nas primeiras épocas da vida monástica, houve religiosas ou beatas que se condenavam a uma vida de rigores, enclausurando-se ad perpetuam em celas muradas e fechadas, donde nunca mais saíam, senão para a sepultura.
A cela da emparedada, era um verdadeiro túmulo: um estreito cubículo de sete ou oito palmos de comprido, por quatro ou cinco de largo, fechado a pedra e cal por toda a parte, e apenas numa das paredes, uma estreita fenda em cruz, que servia para a confissão e comunhão e para passar o alimento indispensável que, em geral, se reduzia a pão e água.
Estas beatas eram sustentadas pela caridade de pessoas benfazejas que lhes levavam alimentos. Mais tarde, estas religiosas, conservando o nome de enceladas, agruparam-se em comunidades, aceitando uma regra e vivendo mais ou menos nas condições das demais religiosas. Em 1210, reuniram-se no Convento de Celas, perto de Coimbra, fundado por D. Sancha, irmã de Santa Mafalda (filhas de D. Sancho I), umas trinta beatas, que até então tinham vivido como emparedadas em Alenquer. Também nessa mesma época, viviam no Convento de Sant’Ana, em Coimbra, umas religiosas em hábitos de grande penitência e pobreza, sustentando-se de esmolas e conhecidas pelo nome de enceladas.
Era porém mais comum e antigo o uso do verdadeiro emparedamento, isto é, homens ou mulheres que desvairados por desgostos, demência ou fanatismo, se encerravam em cubículos estreitos (e por vezes quase insuficientes para neles se deitarem) também fechados a pedra e cal e apenas com um postigo ou fresta, por onde recebiam a esmola ou um escasso alimento – pão e água – com que entretinham a vida.
Desde o século XII até ao século XV, quando os bispos conseguiram reunir estes religiosos, e lhes impuseram regras e vida monástica, abundaram os emparedados por todo o país, principalmente nas grandes cidades. Alguns testamentos da época contemplam estes emparedados, além de outras obras de assistência.
Aliás esta prática de fanatismo era frequente em toda a Europa. Nas cidades da Idade Média encontrava-se muitas vezes nas ruas mais frequentadas e no mercado mais animado e ruidoso, um subterrâneo, um poço, um cubículo murado e gradeado no fundo do qual orava, dia e noite, um ente humano, voluntariamente votado à lamentação eterna ou a grande expiação.
A piedade pouco racional desse tempo, honrava, venerava e santificava se necessário, o sacrifício, mas não lhe analisava os sofrimentos, e deles se apiedava mediocremente. Trazia de tempos a tempos algum comer ao penitente, observava pelo buraco se ele ainda vivia, não lhe sabia o nome, mas apenas há quantos anos ele ali se encontrava. Havia em Paris um bom número dessas celas de orar a Deus e de fazer penitência, que estavam quase sempre ocupadas.
Outro grupo numeroso de infelizes e desgraçados – cuja sorte foi, em tempos não muito longínquos, bastante pior que a dos presos e condenados – chamou a atenção das almas caridosas. Referimo-nos aos alienados em todas as suas variadíssimas modalidades: idiotas, cretinos e loucos propriamente ditos.
Nos tempos antigos, estes infelizes, tidos como possessos e endemoinhados, eram alvo do escárnio e das perseguições do rapazio e da populaça, que os acolhia com vaias e apupos e os apedrejava e repelia sem dó nem piedade.

In “A Assistência em Portugal na Idade Média” de Nuno Moniz Pereira, Edição do Clube do Colecionador dos Correios - CTT Correios de Portugal

domingo, 26 de abril de 2009

"Nem Mais Um"


















Era assim nos recreios do Liceu Alexandre Herculano nos idos anos 60. Juntavam-se 5 ou 6 rapazes e sorteavam um para o meio de uma roda. Depois desatavam a bater-lhe suavemente na parte superior do tronco, até este dizer subitamente: “Nem mais Um”. A partir de aí era permitido bater com força, desde que este não visse pois, caso contrário, esse batedor iria para o meio. Também não se podia “mostrar os dentes”, já que a situação de múltiplas agressões não identificadas, fazia delirar os agressores. Havia quem batesse com força, na cabeça e pescoço e desse assim escape a alguma frustração, com a complacência dos demais.

Há anos quando chefiava uma equipe, e procurava identificar o autor de um erro grosseiro que me pareceu dependente de “má fé”, veio-me à mente este jogo cobarde e violento.
Será que ele se mantém, na vida real?

sábado, 25 de abril de 2009

José Mário Branco



José Mário Branco (n. Porto, em 1942). Músico e compositor. Exilado em França de 1963 a 1974. Uma das vozes de Abril que mobilizaram multidões. Um apóstolo da utopia igualitária.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Aviso























Um estudo multicêntrico randomizado compara a eficácia clínica da Endoscopia alta e baixa efectuada por médicos e enfermeiros em Inglaterra.
BMJ Volume XVIII, Nº2 Março/Abril 2009
Uma ameaça aos médicos que vivem das técnicas?
Uma oportunidade para os enfermeiros atrevidos?
Uma guerra?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Peer Pressure


Peer pressure (pressão dos pares) refere-se à influência exercida por um grupo que está próximo de uma pessoa, e que a encoraja a assumir as atitudes, os valores e comportamentos que se conformam com esse grupo.
Quem é afectado, pode querer pertencer ou não a esse grupo, mas se vulnerável pode ser levado a fazer coisas que espontaneamente não faria.
Nos jovens a pressão de grupo exprime-se frequentemente sob formas negativas (consumir drogas, fumar, consumir bens que ultrapassam a sua capacidade económica, ter irreverência para com o poder instituído, …), embora seja também nestas idades que os que sofrem os efeitos positivos se diferenciam e adquirem as competências que os irão tornar adultos intervenientes e activos.
A adolescência é um período de experimentação, e como tal exige da sociedade uma atitude de “vigilância condescendente”. Prolongar esta condescendência com formas negativas assumidas por adultos com responsabilidades é correr o risco de desvios não integráveis no tecido social.

Na vida profissional, para que os comportamentos e gestos que definem as boas práticas sejam implementadas, é necessária alguma competição, pois constitui um estímulo, a sensação de que à nossa volta os outros são mais produtivos.
Depois, à medida que ganhamos experiência, aprendemos a evitar distracções não produtivas ou pressões que afectam negativamente a nossa imagem e tornamo-nos imunes às más práticas dos que nos estão perto.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Meryl Streep

Meryl Streep, a minha actriz preferida.

Julia (1977), The Deer Hunter (1978). Kramer vs. Kramer (1979) and Sophie's Choice (1982), Out of Africa (1985), The French Liutenant's Woman (1982) ...

O tipo de mulher que quando chora nos torna capazes dos maiores suicídios.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Sim/Não























É relativamente fácil decidir quando se nos põem duas ou três alternativas.
As dificuldades aumentam quando as possibilidades de escolha crescem.
Difícil é construir uma alternativa estruturada e plausível.
Mas ainda mais difícil é engolir o sapo de ter de ouvir alguém, que não tem qualidade, criticar "de cátedra" os defeitos de uma solução que nos custou dias de estudo e que parece resolver um problema.
É a vida!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Carta fúnebre























Podia não te escrever, que não davas por nada e, naturalmente, era com isso que contavas, mas respirámos longos anos o mesmo ar, e devo-te, por isso, estas palavras.

Foste um mortal, dos mais banais que conheci. Respondeste aos impulsos do corpo e da mente com um primarismo, por vezes infantil. Fizeste da amizade, ou pelo menos daquilo a que chamavas amizade, a tua bandeira, e deixaste uma boa memória por onde passaste. Amigos das tainas, dos risos, da bola e amigos do “contra tudo aquilo que tendia para se organizar de modo diferente”. Era assim que estavas construído, para beneficiar do que estava instalado, enquanto te queixavas do “pouco osso que te vinha com a carne”, e puxavas assim para o teu lado os teus iguais e mais uns quantos.

Pagaste agora a conta dos desmandos, aceitando todas as parcelas da factura.

Não te podes queixar, que a vida nada te deveu e, embora sempre dissesses que também nada lhe devias, eu atrevo-me a dizer que tudo te correu bem, que comeste, bebeste e amaste do jeito que era o teu, que falaste alto do que querias, e que te foi dada a oportunidade de distribuir generosamente o que não te pertencia.

Foste o que podias ser. Poucos se lembrarão de ti pela ciência que juraste abraçar e dirão que foste um “pobre diabo” a quem a sorte protegeu, mas muitos lembrarão as tuas histórias e a empatia em que se reviam.

Foi assim que te vi, entre as 9 e as 13 horas com os olhos e, com estas orelhas quando sobre ti comentavam.

Até um dia!

terça-feira, 14 de abril de 2009

Passarinhos




















“Todo pássaro come trigo, mas quem paga é o pardal”
, é um velho ditado que diz alguma coisa sobre a nossa qualidade de observação.

Os passarinhos são pequenos e irrequietos, escondem-se nas árvores, por detrás das folhas e são muito parecidos uns com os outros. Para arreliar, ainda andam misturados e, quando cantam, não se vêm, e quando se vêm, não cantam.

Há mais de 3 anos que os olho pela janela nos arames, tentando identificá-los com a ajuda de 2 livros – Aves de Portugal e Europa – Guia FAPAS, publicado pela Câmara Municipal do Porto e - The Photographic Guide to Birds of Britain & Europe .
Os mais comuns já têm nome: o Estorninho, a Alvéola branca e amarela, o Pisco de Peito Ruivo, o Rabirruivo preto, o Chapim Real e o Verdelhão, mas os menos vistosos e mais ariscos são ainda … “passarinhos”.
A decisão está tomada. Num dia livre, e logo de manhãzinha, vou medir-me lá abaixo à veiga, de livros e binóculos.
É que nos livros, diz que por aqui andam: Felosas, Tordos, Rouxinóis, Cartaxos, Chascos, Petinhas, Papa-Moscas, Estrelinhas e Toutinegras, para falar dos mais vulgares.

Os pássaros maiores, ficam para mais tarde.

domingo, 12 de abril de 2009

Simeão Estilita























Simeão Estilita, o Antigo (389 - 459) foi um asceta cristão sírio, que viveu no cimo de uma coluna de pedra. É considerado santo quer pela Igreja Católica Romana, quer pela Igreja Ortodoxa.
Nasceu no norte da Síria, e começou a sua vida como pastor. Aos 14 anos, impressionado com as histórias dos sacrifícios de beatos e fiéis, ingressou como monge em Teleda, de onde foi expulso quando descobriram que ficava muito ferido na sua prática de penitência, por se temer que fosse copiado pelos demais monges. Decidiu então tornar-se um eremita, e foi morar no topo do Monte Thesalissa, onde várias outras pessoas viviam isoladas a rezar. Teria 23 anos. Viveu como eremita numa cela e depois passou a viver no topo de uma coluna preso por uma corrente, para “se aproximar de Deus, e se afastar dos pecados do mundo”.
Foi adoptando cada vez colunas mais elevadas, tendo a última, onde viveria durante trinta anos (entre 429-459) dezassete metros de altura. O que era necessário à sobrevivência era-lhe levado através de uma escada. Daí exercia a sua influência em favor das causas que considerava justas.
O local onde se erguia a coluna tornou-se alvo de peregrinação e aí foi construída uma basílica cruciforme, cujas ruínas subsistem ainda no local.
A fama de Simão Estilita, que já em vida era considerado um Santo, ficou a dever-se à autoridade moral que lhe advinha da renúncia ao mundano e da sua dedicação total à meditação.

O Padre António Vieira, no Sermão de Todos os Santos, VII, fala dele assim:.

"Mais fazia Simeão Estilita, a quem com razão podemos chamar Anacoreta do Ar, e não da terra. Vivia sobre uma coluna de trinta e cinco côvados de alto, onde perseverou oitenta anos ao sol, ao frio, à neve, aos ventos, comendo uma só vez na semana, e orando de dia e de noite, quase sem dormir. Umas vezes orava de joelhos e prostrado, outras em pé e com os braços abertos, e nesta postura estava reverenciando continuamente a Deus com tão profundas inclinações, que dobrava a cabeça até os artelhos. (...)"

Milan Kundera, no livro “A Valsa do Adeus”, entende-o assim:

-Não percebe nada de nada dos santos, minha amiga. Eles eram pessoas infinitamente ligadas aos prazeres da vida. Só que acediam a esses prazeres por outros meios. Na sua opinião, qual é o prazer supremo do homem? Pode tentar adivinhar, mas vai enganar-se, porque não é suficientemente sincera. Não é uma censura que lhe faço, porque a sinceridade exige um auto-conhecimento e o conhecimento de si próprio é fruto da idade. Mas como é que uma jovem, que irradia juventude como você, pode ser sincera? Não pode ser sincera porque não sabe o que há dentro dela. Mas se soubesse, teria que admitir comigo que o maior prazer que há é o de ser admirado. Não concorda?
Olga respondeu que conhecia prazeres maiores.
- Não – disse Bertlef. – Olhe, por exemplo, o vosso corredor de fundo, esse que todas as crianças conhecem por ter ganho três competições olímpicas seguidas. Acha que ele renunciou à vida? E contudo, em vez de conversar, de fazer amor e comer bem, ele teve de passar muito tempo a andar à volta de um estádio. O treino dele parece-se muito com o que fizeram os nossos santos mais famosos. S. Macário de Alexandria, quando estava no deserto, enchia regularmente uma cesta de areia, punha-a às costas e percorria assim, dia após dia, extensões intermináveis, até ao esgotamento total. Mas existia certamente, tanto para o corredor, como para S. Macário de Alexandria, uma grande recompensa que pagava generosamente todos os esforços. Sabe o que é ouvir os aplausos de um imenso estádio olímpico? Não há alegria maior! S. Macário de Alexandria sabia porque é que andava com uma cesta de areia às costas. A glória das suas maratonas pelo deserto difundiu-se em breve por toda a cristandade e S. Macário de Alexandria era como o vosso corredor. O vosso corredor venceu também para começar os cinco mil metros, depois os dez mil e, finalmente como isso ainda lhe não bastava, venceu a maratona. O desejo de ser admirado é insaciável. S. Macário foi para um mosteiro de Tebas sem se dar a conhecer e pediu para ser admitido como membro da comunidade. Mas, a seguir, quando a quaresma chegou ao auge, foi a sua hora de glória. Todos os monges jejuavam sentados, mas ele, ele ficou de pé durante os quarenta dias do jejum! Foi um triunfo como você não pode imaginar! Ou lembre-se, por exemplo, de S. Simeão Estilita! Construiu no deserto uma coluna no topo da qual havia uma estreita plataforma. Ninguém se podia lá sentar; só se podia estar lá em cima de pé. E ele lá ficou de pé durante toda a sua vida, e toda a cristandade admirava com maior entusiasmo esse incrível recorde de um homem que parecia ultrapassar os limites humanos. S. Simeão Estilita foi o Gagarine do século V. E será você capaz de imaginar a felicidade de Santa Genoveva de Paris no dia em que uma missão comercial galesa lhe deu a saber que S. Simeão Estilita ouvira falar dela e a abençoava do alto da sua coluna? Porque é que lhes parece que ele tentava bater um recorde? Talvez por não se preocupar nem com a vida nem com os homens? Não seja ingénua! Os Padres da Igreja sabiam muito bem que S. Simeão Estilita era vaidoso e puseram-no à prova. Em nome da autoridade espiritual, ordenaram-lhe que descesse da sua coluna e que renunciasse á competição. Foi um duro golpe para S. Simeão Estilita. Mas, ou por siso ou por astúcia, obedeceu. Os Padres da Igreja não eram hostis aos recordes dele, mas queriam ter a certeza de que a vaidade de S. Simeão não levava a melhor sobre o seu sentido de disciplina. Quando o viram descer tristemente do seu poleiro, deram-lhe ordem imediata de voltar a subir para lá, de maneira que s. Simeão pôde acabar por morrer na sua coluna rodeado pelo amor e pela admiração do mundo.


E eu, mesmo correndo o risco de não estar a ler a História de acordo com a época, arrisco o diagnóstico de Transtorno Obsessivo-Compulsivo, doença psiquiátrica frequente, onde pontuam ideias e actos compulsivos que podem assumir a forma de rituais e que se acompanha de acentuados traços de inflexibilidade e de gosto pela ordem.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Jacques e seu Amo


Milan Kundera






Jacques e o seu Amo falam acerca do seu passado e da existência humana.


JACQUES: ... Para onde vamos? (Com desdém filosófico) Sabemos nós para onde vamos? (Para o público) E vós, sabeis para onde ides?
O AMO: Tenho medo de saber para onde vamos, Jacques.
JACQUES: Senhor, nunca sabemos para onde vamos, podeis crer.
...
O AMO: Tu és bom. E és um bom servo. Os servos devem ser bons e dizer aos amos aquilo que os amos desejam ouvir. E sobretudo, Jacques, nada de verdades inúteis.
JACQUES: Não receeis, Meu Amo, eu não gosto de verdades inúteis. Não conheço nada mais estúpido do que uma verdade inútil.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Ter sorte dá muito trabalho

Num estudo efectuado recentemente, os portugueses consideram que “ter sorte” é mais importante do que o esforço do trabalho para se chegar a rico.
Isto diz muito sobre nós.
Primeiro porque é esse o anseio – ser rico, e depois porque se desvalorizam as competências.
Refere-se aí, que a sorte é o mais importante para 39,5% da população, o esforço para 21,1%, a corrupção para 15,6%, a desonestidade para 11,5% e o tráfico de influências para 6,8%.

Sem querer pôr de lado o flagelo que constituem a corrupção, a desonestidade e o tráfico de influências, é minha opinião que ter sorte dá muito trabalho.

Ter sorte não é para qualquer um. Na nossa vida quando acontece o inesperado, são sempre possíveis dois comportamentos: ou vamos à luta, com trabalho, dedicação e uma vontade férrea de encontrar uma solução sem desistir, ou tomamos uma postura derrotista e lamentamos a pouca sorte, e é aqui que está a grande diferença.

Olhar para a vida dos outros, invejar e tirar conclusões é o dia a dia de quem não lutou por adquirir capacidades, e não admite que a sorte se constrói com esforço, dedicação e trabalho.
É mais fácil avaliar os resultados e emitir opinião sobre o que se viu, sem o conhecimento das noites perdidas, das refeições não tomadas, dos kilómetros percorridos, dos desentendimentos, das portas fechadas, dos avanços e recuos necessários para dez minutos de sorte, sem perceber que a sorte não se espera, procura-se.

Doris Day – Que será, será!


A única sorte é nascer numa família, que nos acompanhe, que seja exigente e que nos saiba incutir, pelo exemplo, a necessidade ser “Pró-Activo” e não “Reactivo”, de ser Responsável e capaz de Decidir e de retomar a acção depois de um insucesso.

E aqui também a confusão é grande entre nós pois entendem que para ter um nível social elevado é necessário: para 41,9% dinheiro, para 19,2% origem familiar, para 19,2% profissão e para 15,4% o grau de instrução.

Talvez seja por isso que quando sai um Totoloto a alguém, o investimento que faz para adquirir competências seja insignificante.
É bem mais fácil comprar bens materiais ou as competências dos outros.

terça-feira, 7 de abril de 2009

A Valsa do Adeus



A Valsa do Adeus de Milan Kundera, publicado em 1976, é um romance, cuja história tem lugar numas Termas com fama para tratamento da Esterilidade feminina.
Envolve sete personagens, que procuram avidamente uma oportunidade para a felicidade, que lhes parece estar a passar ao lado.
A principal é uma enfermeira - Ruzena. Depois há o médico - Dr. Skreta, um músico de jazz que é casado e que se envolveu com a enfermeira, o namorado da enfermeira, um antigo militante do PC local, vítima de depurações, a mulher do músico, … um ricaço americano, todos à procura da oportunidade para dar o salto qualitativo para sair da vida desinteressante que julgam ter.

Das minhas histórias preferidas, pelo teor das racionalizações dos personagens que os leva a justificar os piores gestos pelas melhores razões.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Sindromes de Origem Cultural


Cultura é o conjunto de crenças, comportamentos, valores, instituições e regras morais que identificam uma sociedade, que explicam e dão sentido à cosmologia social, e que constituem a identidade de um grupo humano num território e num determinado tempo.

São necessários 4 critérios para definir um CBS (Culture-Bound Syndrome):

a. O síndrome não pode ser entendido fora de seu conteúdo cultural ou subcultural.
b. A sua etiologia sumariza e simboliza significados centrais e normas de comportamento da cultura.
c. O diagnóstico apoia-se nas técnicas e ideologias específicas da cultura.
d. O tratamento só será inteiramente bem sucedido se conduzido por participantes dessa cultura.

As seguintes “doenças” tendem para a extinção, por se terem modificado os sustentáculos dessas culturas.

Amok: Malásia. África Ocidental e Índia. Repentina explosão de agressividade intensa e furiosa, durante a qual o indivíduo mata quem quer que se lhe depare pelo caminho, usando uma faca, uma espada ou outra arma. É habitualmente precedida por uma fase de latência, como no indivíduo frustrado que reprime a fúria e, de repente explode num comportamento violento.

Latah: Malásia. Assume dois aspectos comportamentais. Um de obediência automática, outro de estado de pânico com reacções aterradoras, em que o indivíduo (habitualmente do sexo feminino) age de forma inconveniente, dizendo obscenidades e fazendo asneiras.

Koro: observado nos chineses de Singapura e da Malásia. Surge repentinamente um estado de ansiedade dirigido para as partes genitais – como se o pénis estivesse a desaparecer ou a afundar-se dentro do abdómen. Para prevenir este pretenso perigo, o indivíduo coloca cintas ou ligaduras no pénis.

Piblokto: ou histeria árctica. Acontece nas mulheres esquimós que, de repente, começam a gritar, a rasgar as roupas e a correr sem nexo pelo gelo.

Wihtigo: crença alimentada por certos índios que se podem transformar num monstro que come carne humana.

Vodu: Haiti. Estado de possessão por espíritos demoníacos, que levam um individuo a comportamentos normalmente inaceitáveis

O Chilique” é também um comportamento deste tipo.

Os CBS são uma classe única e distinta de fenómenos de interesse psiquiátrico, e não apenas objecto de uma diferente rotulação .
Estes síndromes afligem somente, ou principalmente, "os outros", referidos como grupos ou minorias étnicas.

domingo, 5 de abril de 2009

Musth


Musth é um acontecimento periódico em jovens machos elefantes, caracterizado por um comportamento altamente agressivo, que se associa a uma secreção espessa (temporina), que lhes corre pelos lados da cabeça, das tumefactas e dolorosas glândulas temporais. Dura semanas. Identificou-se uma subida de testosterona até 60 vezes o habitual para aquele elefante, mas tem sido difícil estudar cientificamente o fenómeno, dada a dificuldade em manter proximidade.
A presença de elefantes mais velhos tende a impedir o seu desenvolvimento.

sábado, 4 de abril de 2009

“Nem às paredes confesso”

Amália Rodrigues


António Zambujo


Roberto Carlos


Leila


Quatro versões, o mesmo sentir.

Acordei a trautear esta música e deito-me com ela.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Rua Alto da Fontinha, 83, Porto








Ali nasci, e vivi 13 Verões, dentro de portas (que as ilhas em redor eram de outra gente), com idas à praia com barraca alugada para o mês.
A minha avó Helena, o meu avô Santos, a Sofia e a sua mãe que a ajudava nos “Ai, Virgem!”, com que a toda a hora exprimia o hábito de um sofrimento, eram os personagens da casa. A praia de manhã ao fim do dia, o eléctrico das viagens - “Senhores passageiros, é favor chegar à frente!”, os banhos de mar - “Já posso? Já posso?”, os jogos e as zangas, eram o condimentos dos dias!
Tudo desapareceu.

Mantém-se a casa triste, como uma senhora pobre à espera de um noivo rico.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Pensamento


















Um sapo no fundo de um poço, pensa o céu do tamanho da abertura por onde o vê.