sábado, 12 de março de 2016

Telefonema


- Está?
-Sim! Diz!
-Vais ficar em casa?
-Sim!
-Então eu já apareço aí. Tenho umas coisas para te mostrar. Não saias!
-Ok! Jantas cá connosco?
-Não! Tenho de ir para o Porto. Mas antes queria que visses o que achei nas coisas do pai! Estou aí daqui a quinze minutos!
-Mas de que se trata?
-Eu já te digo. Vais ficar espantado!

O telefonema indiciava coisa importante. A não menção do assunto e a visita inesperada, numa fugida, adensavam o mistério. Havia imperiosidade na sua voz, mas morte ou coisa do género era coisa excluída, e meia hora depois, tocava a campainha.

-Então? Que te traz assim tão bem disposta?
-Já vais ver!

E entrou porta adentro com um grande saco de compras, com qualquer coisa a ocupar-lhe o fundo. Sentámo-nos, um de cada lado da mesa, e pousou o saco longe da minha vista.

-Tu lembras-te de se falar em moedas na casa da avó?
-Vagamente. Lembro-me até de ter ouvido que o tio Mauro levou algumas.
-Pois é! Eu também me lembro disso.
-Mas não tens a certeza?
-Não!
-Nem eu. Mas ao que é que isso vem agora?
- É que eu, há uma semana, fui a casa do pai procurar uns papéis que ele tinha numa gaveta do escritório e dei com duas caixas cheia de moedas. Uma, maior, tinha escudos e outras moedas europeias, anteriores ao Euro e outra, umas moedas antigas, algumas delas em ouro.
Agora prepara-te! Eu estive a ver na Net e descobri que as de ouro eram dois dobrões do tempo de D. João V e três morabitinos. Além dessas, há outras em prata do início da nacionalidade. 
Como o pai nunca se meteu nessas coisas, aquilo só pode ter vindo da casa da avó e, como também não me parece que eles andassem a investir em moedas, lembrei-me do tio dela, que era padre e que andou pela Índia. Ele era muito chegado à avó. Será que ele lhas deu e que ela as meteu naquela caixa e que o pai também as guardou sem saber o valor daquilo?
- Capaz disso era ele. Tirando o serviço, não via mais nada!
- Mas é estranho não se lembrar. E logo ele que se lembra de tudo! Até sabe o nome dos professores que teve no liceu e isso foi na década de 1930!
-O problema vai ser saber o que é que elas valem. 
-Pois é! Eu estive a ver leilões onde se venderam algumas destas e o preço varia imenso. Uma vendeu-se por mais de 100.000 €. É que não são todas iguais. As que têm imperfeições de origem parecem ser as mais valiosas! ... Vai ser agora que mudo de casa!
-Mostra lá! ... Onde é que compraste essas caixas onde estão metidas?
-No chinês. E estas luvas também, para não lhes pegar com as dedos.
-Nem lhes toco, não vá ficar com algum ouro preso às mãos e torna-las menos valiosas. Pelo que dizes, vendê-las bem, vai ser um problema. Conheces alguém que perceba de moedas?
-Eu não! Talvez o Licínio. Ele herdou, de um tio padre, algumas moedas de ouro antigas. Mas duvido que seja conhecedor! ... Se fosse automóveis! …
-Também não há pressa! Guarda-as bem, que temos tempo para encontrar a pessoa certa para as vender. É dinheiro caído do céu. Ainda dizem que não há Deus!

A conversa deixou-me a congeminar naquele achado. O frade, tio da minha avó, era franciscano, do convento do Varatojo. Em princípio, deveria ter feito votos de pobreza. Como justificaria as moedas? Depois, elas foram encontradas numa gaveta, sem qualquer protecção ou cuidado, numa pequena caixa de óculos, que nem antiga era, ao lado de uma outra maior, de um perfume, cheia de escudos e outras, misturadas com coisas sem qualquer valor. Tudo muito estranho! Mas luziam e eram iguais às que estavam na Net.

Conhecendo-a como a conheço, não vai tardar com novas de um avaliador de confiança e pôr tudo em pratos limpos.
E, logo no dia seguinte, a notícia chegou, seca como uma múmia de Guanajuato.

- Está!
- Sim! Não me digas que já encontraste avaliador!
- Já! Pus-me aqui à voltas com as moedas e vi que elas tinham um “R” e com mais uma volta na Net concluí que fazem parte da "Grande colecção de Moedas e Notas da nossa História", Edição do  "Jornal de Notícias", de 2004.
- Ora bolas! Logo agora que eu já tinha encomendado o Jaguar!

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