Esta coisa da idade é um sarilho. A gente pensa que mantém
as prerrogativas dos mais novos e esquece-se que, depois dos 70 anos, se tem de
revalidar a Carta de Condução de 2 em 2 anos. Nada de complicado desde que a gente se
lembre, e eu … não me lembrei. Mea culpa!. Grato a todos os santos do Céu por
não me ter acontecido acidente rodoviário neste período (a Companhia de
Seguros não iria assumir a sua parte e todas as despesas ficariam a meu cargo), assumi
o erro e disponibilizei-me para as penalizações.
No dia seguinte telefonei ao meu médico, tratei do
Certificado Médico e, de seguida, fui ao IMT para as devidas diligências. À
porta acumulava-se uma dezena de pessoas a bloquear a entrada, a obrigar a vários
“com licença ”para consegui acesso a uma sala cheia de gente, sentada e em pé, simultaneamente
atenta aos telemóveis e ao grande écran pendurado na parede com os números de
chamada. No balcão de atendimento, junto à parede oposta, funcionavam 3 das 5
boxes. No canto esquerdo, junto a uma pequena secretária, um segurança de ar pouco
amistoso, espreitava por cima das cabeças. Ao lado a máquina de senhas de
atendimento, tinha um papel colado: “Não há mais senhas!”.
Dirijo-me a ele, na esperança de uma solução que me permita
dar início ao processo com segurança. Responde secamente: “Não há mais senhas. Se
quiser esperar, pelas 15:30h, pode ser que abram de novo!”.
São 13:00h. Olho em volta. Na sala há uma dezena de cadeiras
encostadas a uma parede todas ocupadas. De pé uns quantos idosos e gente jovem com
ar de indiano e brasileiro. Junto a mim, um grupo de meninas/senhoras, cheias
de adereços, interpela alguém num espanhol cantado, ininteligível. Todos aguardam
com papéis debaixo dos braços.
Volto-me de novo para o segurança: - “Não há senhas? Mas eu
só quero pedir uma informação. Será que não há ninguém que ma possa dar, sem eu
ficar este tempo todo à espera?”. Aponta-me para a porta de entrada, enquanto
me responde. “Pode fazer marcação “on
line” ou telefonar para o Call Center. Os números estão ali num papel!”.
Colado à porta está uma folha A4 com no nº do Call Center e
o site https://www.imtonline.pt/ para
eu fazer a marcação. Ligo para o 210488488 e espero vinte minutos a ouvir uma
música “de moer o juízo a um santo” e ninguém atente. Tento a marcação “on
line” no telemóvel e depois de múltiplas voltas a abrir páginas sobre páginas,
consigo visualizar que só daqui a mês e meio é que serei atendido.
Entretanto o tempo passa e, depois de conseguir lugar
sentado, decido aguardar. Não pára de chegar gente. Uns dirigem-se
ao segurança, outros esperam de pé. Um familiar que acompanha um velho que mal
anda, reclama prioridade por deficiência. O placard na parede vai lentamente
alterando: C13, A16, C14 … e o tempo arrasta-se nos guichés porque nem todos
percebem que se lhes diz e voltam atrás para se certificar de tudo uma e outra
vez. Os funcionários ausentam-se por curtos períodos para uma sala onde deve
estar o chefe, ou juntam-se para solucionar em conjunto uma qualquer
dificuldade mais particular. Tudo devagar, devagarinho.
Finalmente, às 15:30h, “abrem de novo as senhas” e, de
imediato, há um corre-corre de gente a chegar-se ao segurança. -Eu cheguei
primeiro!... Depois, foi aquele senhor! ...Perdão! Eu já cá estava quando aquele senhor
chegou!, ...-Não! Não! Eu estava lá atrás e vi o senhor entrar! … e o segurança de braços no ar, vai
distribuindo as senhas tentando responder às solicitações e ao que a memória lhe
permite. Por fim, lá consigo a tão almejada senha, com a sensação de que aquela barafunda beneficiou quem estava mais perto do homem.
Às 16:45h chega o meu número ao écran. Preencho dois papéis, pago os emolumentos - 15€ pela Revalidação do Título de Condução, 15€ por uma Licença de Aprendizagem e 30€
para o Exame (prático) de Condução, fica-me com a carta velha e dá-me uma Licença de Condução
válida por 6 meses. Dez minutos depois estou a respirar o ar da rua, a caminho
de uma Escola de Condução, para alugar um automóvel “certificado” para o “exame
prático”, pois não poderei usar o meu.
Procuro na Google uma Escola próxima do IMT. Está fechada,
mas tem um papel colado na porta com um "Volto já " e um nº de telefone. Ligo.
Atende-me uma senhora que pede para eu esperar, pois não tarda mais que 15
minutos. Calculo que esses 15 minutos se irão transformar em, pelo menos, meia
hora e digo-lhe ao que vou. – Que sou saudável, que conduzo diariamente há mais
de 50 anos, sem acidentes ou multas, que deixei caducar a carta há mais de dois
anos e que por isso tenho de fazer um exame prático num automóvel de uma
Escola, e pergunto o preço. – São 350 Euros!
- 350 euros???, pergunto a confirmar. - Sim! O preço incluiu
duas aulas de condução antes do exame! Confesso que não esperava tal resposta,
que me soou a oportunidade de acrescentar o negócio, e retruquei que prescindia
das aulas e que só pretendia que me alugassem o carro para o tal exame que
pouco mais dura que meia hora. Nada feito. A senhora justifica-se dizendo que
não vai por o carro nas mãos de quem não conhece, que sem as duas aulas nada
feito. - Obrigado!! Boa tarde! Escusa de vir a correr! Fica sem efeito!
De seguida ligo para outras Escolas da cidade, para ouvir uma
música igual ou muito parecida. Mais um telefonema para uma outra, numa vila nas
imediações, e é mais do mesmo. Até parece que têm tudo combinado. Por via telefónica
está visto. O mínimo são 350€. Decido ir pessoalmente e tentar falar com quem
manda. Entro na Escola X e pergunto se posso falar com o chefe. Vem um senhor amável que aceita negociar e, depois de lhe explicar quem sou e ao que vou, aceito a sua proposta: uma aula
para me familiarizar com o carro e com as picuinhices do examinador + 200 € … sem
IVA. Ao negro, como aqui se diz! Dá-me um documento para entregar no IMT com a
matrícula do carro do exame, dou-lhe 100€ em numerário e o acordo de novos 100€
no dia da aula. Peço-lhe um documento comprovativo e ele rabisca num papel timbrado
da Escola - 100€, assina e põe-lhe um carimbo. Tudo legal.
Agora é aguardar que o IMT me informe da data do exame, para
que, no dia anterior, eu vá ter a tal aula. Entretanto posso conduzir por todo o
lado, menos no estrangeiro.
Já mais aliviado, rebobino o calvário que o meu
esquecimento ocasionou. Há uns 10 anos, quando me esqueci de levar o carro à inspeção
e a polícia me mandou parar, paguei, na hora, uma multa de 200€ (agora seriam,
no mínimo 250€), agora por ter deixado caducar a carta, pago ao IMT 60€ e ao
dono de uma Escola de Condução 200€, para não pagar à Escola de Condução de 350
a 400€.
Qual é a utilidade da obrigatoriedade de um exame prático quando
se tem um Atestado Médico que comprova a competência para a condução do mesmo
tipo de veículos? Qual a utilidade de, no exame prático, se ter de usar um
automóvel de uma Escola de Condução, nestas circunstâncias? Não seria melhor
uma multa semelhante à que se tem por não levar o automóvel em devido tempo à
Inspeção?? Ao menos aí o dinheiro reverteria para o Estado e não se atirava um
cidadão para as mãos de quem aproveita a ocasião para um negócio de
oportunidade.
…
Um mês depois, chega a carta para o dito exame. Recebo a tal
lição de condução onde reaprendo a sinalizar mudanças de direção, circulação em
rotundas e marchas atrás em curvas e, no dia do exame, lá vou andar a mando de
um senhor, que não aparenta ser mais novo que eu, mas que deve ter a carta em
dia: Vire à direita, entre na rotunda e saia na segunda saída, vire à esquerda,
estacione ali à frente entre aquelas duas árvores, faça marcha atrás … pode
parar aqui. Nem trinta minutos depois, eis-me fora do carro. Passei! Devo ter
tido 20 valores, pois não me esqueci de sinalizar tudo e mais alguma coisa.
Já me foi dado um “Título de Condução” válido por 60 dias.
Agora é ter atenção ao correio que a “definitiva” deve chegar no prazo de 15
dias.
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