domingo, 8 de setembro de 2024

IMT

 

Esta coisa da idade é um sarilho. A gente pensa que mantém as prerrogativas dos mais novos e esquece-se que, depois dos 70 anos, se tem de revalidar a Carta de Condução de 2 em 2 anos. Nada de complicado desde que a gente se lembre, e eu … não me lembrei. Mea culpa!. Grato a todos os santos do Céu por não me ter acontecido acidente rodoviário neste período (a Companhia de Seguros não iria assumir a sua parte e todas as despesas ficariam a meu cargo), assumi o erro e disponibilizei-me para as penalizações.

No dia seguinte telefonei ao meu médico, tratei do Certificado Médico e, de seguida, fui ao IMT para as devidas diligências. À porta acumulava-se uma dezena de pessoas a bloquear a entrada, a obrigar a vários “com licença ”para consegui acesso a uma sala cheia de gente, sentada e em pé, simultaneamente atenta aos telemóveis e ao grande écran pendurado na parede com os números de chamada. No balcão de atendimento, junto à parede oposta, funcionavam 3 das 5 boxes. No canto esquerdo, junto a uma pequena secretária, um segurança de ar pouco amistoso, espreitava por cima das cabeças. Ao lado a máquina de senhas de atendimento, tinha um papel colado: “Não há mais senhas!”.

Dirijo-me a ele, na esperança de uma solução que me permita dar início ao processo com segurança. Responde secamente: “Não há mais senhas. Se quiser esperar, pelas 15:30h, pode ser que abram de novo!”.

São 13:00h. Olho em volta. Na sala há uma dezena de cadeiras encostadas a uma parede todas ocupadas. De pé uns quantos idosos e gente jovem com ar de indiano e brasileiro. Junto a mim, um grupo de meninas/senhoras, cheias de adereços, interpela alguém num espanhol cantado, ininteligível. Todos aguardam com papéis debaixo dos braços.

Volto-me de novo para o segurança: - “Não há senhas? Mas eu só quero pedir uma informação. Será que não há ninguém que ma possa dar, sem eu ficar este tempo todo à espera?”. Aponta-me para a porta de entrada, enquanto me responde.  “Pode fazer marcação “on line” ou telefonar para o Call Center. Os números estão ali num papel!”.

Colado à porta está uma folha A4 com no nº do Call Center e o site https://www.imtonline.pt/ para eu fazer a marcação. Ligo para o 210488488 e espero vinte minutos a ouvir uma música “de moer o juízo a um santo” e ninguém atente. Tento a marcação “on line” no telemóvel e depois de múltiplas voltas a abrir páginas sobre páginas, consigo visualizar que só daqui a mês e meio é que serei atendido.

Entretanto o tempo passa e, depois de conseguir lugar sentado, decido aguardar. Não pára de chegar gente. Uns dirigem-se ao segurança, outros esperam de pé. Um familiar que acompanha um velho que mal anda, reclama prioridade por deficiência. O placard na parede vai lentamente alterando: C13, A16, C14 … e o tempo arrasta-se nos guichés porque nem todos percebem que se lhes diz e voltam atrás para se certificar de tudo uma e outra vez. Os funcionários ausentam-se por curtos períodos para uma sala onde deve estar o chefe, ou juntam-se para solucionar em conjunto uma qualquer dificuldade mais particular. Tudo devagar, devagarinho.

Finalmente, às 15:30h, “abrem de novo as senhas” e, de imediato, há um corre-corre de gente a chegar-se ao segurança. -Eu cheguei primeiro!... Depois, foi aquele senhor! ...Perdão! Eu já cá estava quando aquele senhor chegou!, ...-Não! Não! Eu estava lá atrás e vi o senhor entrar! …  e o segurança de braços no ar, vai distribuindo as senhas tentando responder às solicitações e ao que a memória lhe permite. Por fim, lá consigo a tão almejada senha, com a sensação de que aquela barafunda beneficiou quem estava mais perto do homem.

Às 16:45h chega o meu número ao écran. Preencho dois papéis, pago os emolumentos - 15€ pela Revalidação do Título de Condução, 15€ por uma Licença de Aprendizagem e 30€ para o Exame (prático) de Condução, fica-me com a carta velha e dá-me uma Licença de Condução válida por 6 meses. Dez minutos depois estou a respirar o ar da rua, a caminho de uma Escola de Condução, para alugar um automóvel “certificado” para o “exame prático”, pois não poderei usar o meu.

Procuro na Google uma Escola próxima do IMT. Está fechada, mas tem um papel colado na porta com um "Volto já " e um nº de telefone. Ligo. Atende-me uma senhora que pede para eu esperar, pois não tarda mais que 15 minutos. Calculo que esses 15 minutos se irão transformar em, pelo menos, meia hora e digo-lhe ao que vou. – Que sou saudável, que conduzo diariamente há mais de 50 anos, sem acidentes ou multas, que deixei caducar a carta há mais de dois anos e que por isso tenho de fazer um exame prático num automóvel de uma Escola, e pergunto o preço. – São 350 Euros!

- 350 euros???, pergunto a confirmar. - Sim! O preço incluiu duas aulas de condução antes do exame! Confesso que não esperava tal resposta, que me soou a oportunidade de acrescentar o negócio, e retruquei que prescindia das aulas e que só pretendia que me alugassem o carro para o tal exame que pouco mais dura que meia hora. Nada feito. A senhora justifica-se dizendo que não vai por o carro nas mãos de quem não conhece, que sem as duas aulas nada feito. - Obrigado!! Boa tarde! Escusa de vir a correr! Fica sem efeito!

De seguida ligo para outras Escolas da cidade, para ouvir uma música igual ou muito parecida. Mais um telefonema para uma outra, numa vila nas imediações, e é mais do mesmo. Até parece que têm tudo combinado. Por via telefónica está visto. O mínimo são 350€. Decido ir pessoalmente e tentar falar com quem manda. Entro na Escola X e pergunto se posso falar com o chefe.  Vem um senhor amável que aceita negociar e, depois de lhe explicar quem sou e ao que vou, aceito a sua proposta: uma aula para me familiarizar com o carro e com as picuinhices do examinador + 200 € … sem IVA. Ao negro, como aqui se diz! Dá-me um documento para entregar no IMT com a matrícula do carro do exame, dou-lhe 100€ em numerário e o acordo de novos 100€ no dia da aula. Peço-lhe um documento comprovativo e ele rabisca num papel timbrado da Escola - 100€, assina e põe-lhe um carimbo. Tudo legal.

Agora é aguardar que o IMT me informe da data do exame, para que, no dia anterior, eu vá ter a tal aula. Entretanto posso conduzir por todo o lado, menos no estrangeiro.

Já mais aliviado, rebobino o calvário que o meu esquecimento ocasionou. Há uns 10 anos, quando me esqueci de levar o carro à inspeção e a polícia me mandou parar, paguei, na hora, uma multa de 200€ (agora seriam, no mínimo 250€), agora por ter deixado caducar a carta, pago ao IMT 60€ e ao dono de uma Escola de Condução 200€, para não pagar à Escola de Condução de 350 a 400€.

Qual é a utilidade da obrigatoriedade de um exame prático quando se tem um Atestado Médico que comprova a competência para a condução do mesmo tipo de veículos? Qual a utilidade de, no exame prático, se ter de usar um automóvel de uma Escola de Condução, nestas circunstâncias? Não seria melhor uma multa semelhante à que se tem por não levar o automóvel em devido tempo à Inspeção?? Ao menos aí o dinheiro reverteria para o Estado e não se atirava um cidadão para as mãos de quem aproveita a ocasião para um negócio de oportunidade.

Um mês depois, chega a carta para o dito exame. Recebo a tal lição de condução onde reaprendo a sinalizar mudanças de direção, circulação em rotundas e marchas atrás em curvas e, no dia do exame, lá vou andar a mando de um senhor, que não aparenta ser mais novo que eu, mas que deve ter a carta em dia: Vire à direita, entre na rotunda e saia na segunda saída, vire à esquerda, estacione ali à frente entre aquelas duas árvores, faça marcha atrás … pode parar aqui. Nem trinta minutos depois, eis-me fora do carro. Passei! Devo ter tido 20 valores, pois não me esqueci de sinalizar tudo e mais alguma coisa.

Já me foi dado um “Título de Condução” válido por 60 dias. Agora é ter atenção ao correio que a “definitiva” deve chegar no prazo de 15 dias.

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