
Hipólito subia para o quarto, quando sentiu Nossa Senhora a bater no vidro da porta. Correu a abri-la. A mãe de Cristo, sorrindo, afirmou: - Já ia no Monte Farinha, quando me lembrei de ter deixado aqui uma vela! e, à guisa de quem confessa um pecadilho: - Eu tenho um fraquinho por velas de cera de abelha com perfume, como esta. As que me costumam oferecer são de parafina e sem qualquer fragrância. Esta tem um suave aroma a alfazema que me agrada imenso. São difíceis de arranjar. Nem em Fátima há! Lá é ao peso! Quanto maior, mais caro! O povo, em geral, acha que o muito é qualidade e as velas votivas que atira para o fogo são prova disso, quando o sentir é mais importante que a coisa.
Hipólito aproveitou a deixa para lembrar as grandes ofertas que já se fizeram à Santa da Ladeira, à Amelinha de Vilar Chão e a muitos outros locais onde se fez crer existir um posto de contacto com os Céus.
Nossa Senhora respondeu: - Isso são resquícios do paganismo greco-romano, que os cristãos optaram por integrar, para os manter sob controle. O mesmo se passa com alguns dos santos ditos “populares”, como o São Roque.
Quanto à Santa da Ladeira o descabelamento foi tal, que tive de intervir e fazer com que fosse presa. Verdade seja dita que de Torres Novas a Fátima são uns meros 24Km, o que constituía uma ameaça se se viesse a criar aí um novo santuário. Quanto à Amelinha de Vilar Chão não foram precisas medidas tão drásticas. Resolveu-se o problema com “subtilezas”, como em muitos outros lugares onde apareceram videntes. Fátima é um caso especial, mas hoje não dá para falar dele, senão nunca mais saio daqui! E dirigiu-se para a porta dizendo: -Adeus que se faz tarde! Esta noite tenho de dar uma volta pelos meus principais santuários em Portugal. Daqui vou a Santa Luzia, passo pela Senhora da Graça em Mondim de Basto, pela Senhora da Peneda no Gerez e depois, é ir por aí abaixo. Pela madrugada tenho de ter tudo terminado, que amanhã e depois, vou andar por Espanha e França. Adeus! E dito isto, ascendeu ao céu esfumando-se na noite.
Hipólito fechou a porta sentindo-se honrado com a visita de Nossa Senhora e ainda por cima com inversão dos papéis, pois não era ele a “rogar por nós pecadores”, era a mãe de Deus a pedir-lhe uma intervenção, junto de outros humanos, para que a “marca” Nossa Senhora não fosse usada abusivamente. Pegou no Smartphone e pesquizou “aparições marianas”. Havia registo de mais de duas mil desde o ano 40 da E.C., embora a Santa Sé só reconhecesse 16 a 28. A maioria tinha acontecido em Portugal, Espanha e França nos últimos 200 anos, a crianças pobres. Mesmo que Nossa Senhora se desse ao trabalho de uma aparição por ano, ele fora um dos contemplados, no meio de 2,4 biliões de cristãos que hoje há no mundo. Não iria aladroar como fizeram outros videntes, guardaria o segredo para si, também para poder ser mais eficaz em cumprir a vontade da Mãe de Deus, caso fosse necessária qualquer intervenção sua. Como os “Secularistas” não têm liderança, o melhor era manter-se atento ao que se passava na Califórnia e em Shenzhen (o “Silicon Valley” chinês), por ser aí que andam a borbulhar as forças passíveis de definir os novos comportamentos. Mas não só. Iria estar também atento aos “fenómenos populares” não dependentes de qualquer racionalidade, que são frequentemente o núcleo de grandes alterações sociais catalisadas por oportunistas de toda a espécie.
Lembrou-se então do que Nossa Senhora disse: “O mesmo se passa com alguns dos santos ditos “populares”, como o São Roque!”, e planeou rever o assunto no dia seguinte. A noite ia já avançada. Felizmente era sábado e tinha o domingo livre.