Em qualquer lado falava de tudo, do futebol à política, enchendo os ouvidos dos incautos, numa crítica inconsequente e irresponsável. Aquele azedume balofo envenenava o ar, com os “assim não se vai parte nenhuma”, “só não se faz porque se não quer”, porque “assim é que devia ser”, numa total incapacidade de aceitar condicionamentos.
Esta personalidade a raiar o patológico, despertou o interesse de um jovem médico, muito dado às coisas da natureza, que num misto de bondade e desafio terapêutico, se atreveu a abordá-lo:
Oh! Pedro! Você a destilar essa bílis toda, ainda lhe dá uma coisa ruim!" Tem de ter calma!”
Mas o homem retrucava sempre qualquer argumento, pelo que o Dr. Rio concluindo que com palavras não teria sucesso, lhe propôs uma tarde de pesca à truta.
-“Você sabe pescar?”
-“Claro!", e de imediato debita peripécias de pescarias em que supostamente tinha participado.
-“ Óptimo! É que eu preciso de um parceiro para a próxima 6ªfeira. Tenho um lote alugado no rio e estava para ir sozinho. Você quer vir? É uma tarde, sem pensar nestas coisas, sem este stress! Vem?”
O Sr. Pedro ainda hesitou, mas depois daquela conversa onde se arvorara em pescador, não podendo declinar o convite, aceitou.
Nos dias seguintes não falou de outra coisa e na hora aprazada apresentou-se como se fosse para o Café, sem apetrechos de pesca, a esfarrapar-se em desculpas por não ter encontrado o material, arrumado no sótão, pela mulher.
Arranjou-se uma cana e as tão necessárias galochas foram substituídas por umas botas. Quanto ao restante material o Dr. Rio forneceu.
A pesca à truta tem uma técnica difícil, pois é necessário subir os riachos à procura dos possíveis locais onde estas aguardam os alimentos que vêm na corrente. É necessário colocar aí a amostra, com a suavidade da queda de um pequeno insecto, num espaço rodeado de árvores.
O Sr. Pedro não vinha para isso, vinha para fazer os lançamentos pelo ar como se estivesse em campo aberto e na primeira meia hora já tinha perdido quatro amostras, presas nos galhos. De cada vez que tal sucedia o Dr. Rio lá vinha por ali abaixo para o ajudar a colocar uma nova amostra na ponta da linha.
Na última, vendo que o homem era mesmo incapaz de pescar daquele jeito, substitui-lhe a linha do carreto por uma bem grossa e a amostra por uma
indestrutível, e colocou-o na zona mais larga do rio, para fazer os lançamentos sem sair dali, enquanto ele iria pescar rio acima .
Nem 30 minutos passados, quando já ia uma centena de metros acima, viu em cima de uma ponte um par de jovens a rir de qualquer coisa que se passava atrás de si. Vira-se e depara com o Sr. Pedro a tentar subir os grandes calhaus rolados do rio a gritar na sua direcção: “Oh Rio! Oh Rio!”, coisa difícil de entender, que alguém no meio de um rio pudesse gritar pelo Rio.
Temendo grande mal, volta para trás.
-“Que foi desta vez, Pedro? Que foi?”
-“Apanhei um peixe!”, respondeu fora de si! “Apanhei um peixe!”
-“Onde está?”
-“Está dentro de água! É muito grande! Eu puxei, puxei, mas tenho medo de partir a linha. Amarrei-a a uma árvore e vim pedir ajuda! É um peixe grande!”, dizia o homem com o coração a sair-lhe pela boca.
-"E viste-o?"
Não o tinha visto mas sentira um estremecer forte na linha.
Chegado ao local o Dr. Rio sentiu a linha presa no fundo, mas farto de ser interrompido, com o vício da pesca a tomá-lo e já descrente de qualquer solução para aquele problema, decidiu:
-“Oh Pedro! Deve ser mesmo um peixe grande! Você agora só tem de o cansar! Vá puxando e largando porque tem aí para horas e, enquanto você está nesse trabalho, eu vou até ao fim do lote e venho!
E assim se fez. O Dr. Rio lá foi pescar, agora descansado, deixando-o sentado naquela função.
Já o sol ia baixo, quando o Dr. Rio regressa, e o encontra na mesma posição em que o deixara.
-“Então? O bicho não sai?”
-“É muito grande!”, disse arregalando os olhos.
-“Bem! Temos de o tirar! Daqui a pouco é noite!"
E desatam a puxar a linha que cede muito lentamente, como se transportando um saco cheio, inerte, com o Sr. Pedro a repetir: "Cuidado Doutor! Não parta a linha, puxe mais devagar", e o Dr. Rio a apressar-se, seguro de uma enorme bota na ponta da linha.
Só ao fim de uns bons 30 minutos assomou uma cabeça de peixe, um salmão de 18Kg, que para sair teve de ser enrolado num casaco providencialmente atirado para a água, e que só foi pescado, para que um louco não desse cabo de uma tarde de pesca.