domingo, 25 de julho de 2021

Casamento


Leio no Expresso desta semana (23/07/2021), a crónica de Henrique Raposo (licenciado em História e mestre em Ciência Política)

Filhos de Casamento

As crianças que crescem num casamento sólido são cada vez mais uma minoria - a minoria privilegiada. Seja ela negra, hispânica, asiática ou branca, uma criança faz parte da minoria privilegiada se viver numa casa sem divórcio. Não é o género, não é a raça, não é a orientação sexual, nem sequer é a classe social. É o casamento. Quando se analisam as possibilidades de sucesso de uma criança, é claro que o factor fundamental é a classe social, e não o género ou a raça. No entanto, se crescer numa família sólida, a criança pobre tem mais hipóteses de ascender pelo estudo.

Tudo se torna mais difícil no contexto do divórcio e sobretudo no contexto de uma marca social do Ocidente do século XXI: a fuga do pai. Os homens, sobretudo negros, brancos e hispânicos, tendem a fugir das suas responsabilidades – o exacto oposto do homem asiático (indiano, coreano, chinês), que permanece ancorado à família e à paternidade. Não é por acaso que as crianças asiáticas estão a superar em todos os níveis as crianças negras e também as brancas pobres.

Para mais informação comparativa, leiam, por favor, na “Spectator”, uma peça de Edward Davies, “Forget race or class, marriage is the big social divide”. Aqui quero apenas salientar que este assunto, apesar de ser vital, é um tabu. Não se pode falar de casamento, porque é visto como um assunto “reaccionário”. Não se pode falar de casamento, porque a agenda “cool” exige que se fale apenas de questões identitárias e de racismo e de machismo. Esses pontos são legítimos, sim, mas não são o nó górdio. Antes de ter a tez escura e de ser do sexo feminino, uma rapariga negra é, antes de tudo, pobre. E a sua pobreza é reforçada porque vive apenas com a mãe. Cerca de 70% das crianças negras nos EUA crescem sem o pai. É o inverso da miúda asiática que tem de lidar com o mesmo contexto social: também é de uma minoria étnica, também é pobre. Só que esta rapariga tem algo que a rapariga negra não tem: uma cultura familiar e, sim, conservadora, que mantém o pai preso ao casamento e à estabilidade que permite a ascensão dos filhos.

O colapso da família é pior que o desemprego. O emprego vai e vem. A família é a estrutura que suporta uma pessoa nos momentos de desemprego, dando-lhe uma sensação de segurança e, por arrasto, uma mente mais racional e calma. Portanto, tenhamos coragem para ver a evidência: antes de qualquer outro factor, o que atrasa a vida de uma rapariga negra não é o racismo ou o machismo, é o colapso do casamento, o divórcio, a fuga do pai às suas responsabilidades. E – repito – encontramos o mesmo fenómeno nos brancos pobres.

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A eterna adolescência dos homens é o grande problema da sociedade ocidental. É a causa da nossa decadência. “É só meninos”, como dizia o meu velho.

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Depois, vou ao Spectator ler o artigo de Edward Davis que é "director of policy at the Centre for Social Justice. The CSJ is an independent, award-winning organisation that puts social justice at the heart of British politics.

Forget race or class, marriage is the big social divide

The latest spark to ignite the culture wars is a report from the parliamentary education committee on the underachievement of working-class white boys. But this isn’t about race. The boys don’t underachieve because they are white. Their skin colour is merely a marker by which we can see that a certain cohort is doing worse than another.

And despite received wisdom, it’s not just about poverty, school funding or investment. Children of other ethnicities who are equally poor, and even potentially at the same school, will likely do considerably better.

It’s not even about class, which seems to be the latest factor on which the fickle finger of blame is falling. I couldn’t even tell you what working-class means anymore but by most definitions the link becomes pretty tenuous and not a little pejorative.

But there is a 40-year trend that perfectly maps onto almost every aspect of this problem. It’s not much admired in modern society, but then data doesn’t really care for middle-class sensibilities. Children tell us it’s important while adults seem ever more squeamish about it. It’s marriage rates.

If we care about kids, we should care about marriage. Alarm bells should be ringing, and ringing hard.

They’ve been steadily collapsing since the 1970s. Not just declining but falling off a cliff. Even at the height of the second world war, one of its previous lowest points, the male marriage rate was almost triple what it is today. We claim to value our families but imagine the response if something we truly cared about, like employment rates, were doing the same.

People tell me that talk of marriage is moralising and uncomfortable and revert to the importance of ‘stability’ to children instead. But let’s call a spade a spade. There is no other form of relationship that offers anywhere near the same level of stability in any thriving culture in the whole of human history. If we care about kids, we should care about marriage. Alarmed wedding bells should be ringing and ringing hard.

This decline is not universal and points to the very problem discussed by the education committee this week.

New analysis of the Family Resources Survey, carried out this week by the Centre for Social Justice, has found that the disparity in marriage between rich and poor white families in the UK is very, very stark.

In the wealthiest fifth of white families by income, 84 per cent are married and reaping the benefits of that stability, with a further 12 per cent co-habiting. In the poorest fifth just 19 per cent are married with a further 9 per cent co-habiting — there is a pretty straight line through the income groups in between. It means if you are born into a wealthier family, you have a 96 per cent chance of having two parents. In our poorest communities, your chances are just 28 per cent and falling.

In real and stark terms it means this: if you’re white and rich you get a dad, and if you’re white and poor you probably don’t. Teachers, mentors, youth clubs, and investment are all great, but the ultimate privilege in life is now a present father.

It tells you everything you need to know about how seriously we take this problem that we have to harvest the statistics from around the edges of obscure national resource surveys. We don’t even collect enough information for there to be meaningful data on smaller ethnic groups than white British.

But we do collect overall family structure rates once a decade in the Census, and it is little surprise that the marriage rates of each ethnic group map almost perfectly onto the school achievements of their children.

Poor Indian and Chinese children, two communities with very high marriage rates, don’t just do better than other poor children in their GCSEs — they do better than most middle-income children too. While black Caribbean children join poor white children at the bottom of the class for both marriage rates and school attainment.

Critics will rightly say that these data are mere correlations and that poverty itself causes family instability. And they’re right to a degree. But the reverse is also true, that family instability causes poverty and the varying outcomes in the different ethnic groups simply underline this fact — social capital matters as much as financial capital to children’s futures.

But lastly, and perhaps most perniciously, is not just how little data we collect on this but our unwillingness to talk about it at all. If a drug showed the sort of effects as marriage, correlation or not, it would be in our children’s systems faster than you can say Oxford-AstraZeneca. Let’s not pretend then that we have abandoned marriage for the benefit of children. We have done it solely for the freedom of adults. 


 


terça-feira, 20 de julho de 2021

A antiga Casa do Cabo




A julgar por umas pedras lascadas no sopé do Monte da Gandra, onde actualmente impera o Farol de Montedor, já anda gente por Carreço desde o Paleolítico e há uma Anta, uma Mamoa e gravuras em pedras que sugerem que cedo o sapiens se fixou nestas paragens. A citânia de Santa Luzia dista menos de sete quilómetros da aldeia e data dos inícios da nossa Era.

Nos primórdios da nacionalidade, a paróquia de Carreço não era reguenga, isto é, não pertencia ao rei. Era domínio dos Mosteiros de Cabanas, de Tibães, de S. Romão do Neiva, de Freixieiro e de S. Romão da Torre, a quem os “casais” pagavam tributo. Aos poucos os casais foram-se apropriando das terras e os reis metendo a mão no que aqui se produzia, sem que a Igreja deixasse a sua influência e de cobrar o seu quinhão.

Paçô deve o nome a ter sido a zona onde um dos senhores teria o seu pequeno palácio e sua reserva.

A Casa do Cabo aparece nos livros de rol dos irmãos das Confrarias, nos princípios do século XVII. Então, era pertença de João do Cabo. Nas suas redondezas, a Casa do Cigano, a Casa de Agostinho, a Casa do Vale e a Casa do Neiva, que também aí se referem, ainda cá estão. Na época era-se mais sábio que na actualidade e construía-se na meia encosta, deixando a veiga para a agricultura, talvez por saberem (o que agora se tende a ignorar) que o terreno fértil não anda por aí aos pontapés.

Era uma “casa de lavoura”. Numa das pedras centrais da eira está gravada a data de 1818. Tinha espigueiro de madeira, de que persistem as pedras de apoio, cabana da eira, um alambique, um lagar, galinheiro, pocilga e currais para vacas. Recebia num tanque os sobrantes da Fonte Nova e tinha canalização da mesma fonte para água de consumo doméstico. Pelo que ainda se percebe no desenho das pedras, a casa sofreu acrescentos sucessivos, o que sugere épocas de prosperidade.

Embora não fosse sempre pertença da mesma família, manteve terrenos na veiga e bouças no monte. “Consta” que a avó da última habitante da casa, de nome Rosa Ennes da Silva, teria ido grávida de pai incógnito, para a Casa do Cabo, vinda da Casa do Cigano, tomar conta de três irmãos já velhotes (2 mulheres e 1 homem) que, por não terem descendência, a fizeram herdeira, não só da Casa, como de terrenos da veiga e bouças no monte. A sua filha Miquelina Enes da Silva, nasce a 22/07/1876, casará com José Alves de Sá, estucador e, aos 38 anos, terá uma filha - Ema Enes de Sá.

A dona Ema, que foi a última habitante desta casa, irá falecer subitamente em 15/07/1985, aos 70 anos, uns dois anos depois de ter sido assaltada e barbaramente agredida em sua casa, numa noite de julho. Apesar da idade e de viver sozinha, após um mês de internamento hospitalar e de um período de recuperação na residência de familiares, voltou à casa para produzir vinho, batatas e galinhas, com a ajuda dos parentes próximos, até aos seus últimos dias. 
Manuel Alves Barreiros, Ema Enes Sá e seu filho Manuel


1960

O seu marido, Manuel Enes Barreiros, falecera em 25/05/1968, aos 62 anos e os seus três filhos, embora mantivessem raízes na terra, tinham emigrado para bem longe, desiludidos com a agricultura e descrentes na prosperidade da aldeia.






No início do século XXI, a casa era uma ruína, envolta em heras e silvas e o lugar um amontoado de pinheiros e eucaliptos, onde uma dúzia de carvalhos procurava espaço no que antes fora terra de vinha e batatas, elevando aos céus as videiras e os arames das ramadas, arrancados dos esteios. Os quinze anos de abandono, à mercê dos elementos e da vida daninha, tinham posto à prova as estruturas da casa e do lugar, causando derrocadas de muros e abatimento de telhados, por onde as silvas trepavam em direcção ao sol, dando abrigo a cobras, licranços, lesmas e caracóis. Uma espessa manta morta cobria totalmente a grande eira e, no pomar entre as casas, as heras atapetavam o topo das fruteiras que resistiam, formando um tecto contínuo impenetrável.

O tanque, ao norte, atulhado de folhas e galhos, abrira fissuras entre as lajes e a mina que na sua vizinhança atravessa transversalmente toda a propriedade, aluíra, expondo o perigo de uma cova de dois metros de profundidade. Os caminhos com que propriedade confronta em todo o seu redor, haviam sido tomados por mato e pelo desmoronamento de parte dos muros e, como consequência, a Câmara Municipal, deixou de considerar a metade norte do lugar como “agrícola” e passou a chamar-lhe “florestal”. O matagal era um contínuo com as bouças dos vizinhos, também elas nada cuidadas. Um panorama semelhante atingia as casas vizinhas, também elas desabitadas (Casa do Cigano) ou temporariamente habitadas (Casa do Vale, Casa da Corticeira). O risco de incêndio era enorme. A agravar a situação a Junta de Freguesia de então, deixara de limpar as linhas de água e, no Inverno, a água do monte que deveria correr para norte, pelas bouças em direcção a Afife, procurava os caminhos e vinha cair em cachão pelo monte sobranceiro à Fonte Nova, para aí formar um imenso lago cujas águas, perfuravam os muros da propriedade e desciam em cascata pelos socalcos do lugar.

Foi esta a casa que comprámos em 1997. Um sem número de problemas para resolver, numa freguesia com um presidente de Junta nada disponível a facilitar a nossa instalação na aldeia e vizinhos renitentes em cumprir as determinações legais de manutenção das suas bouças.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Arrogância e Ressentimento

 

 



Nem tudo é sorte, mas sem ela, pouco ou nada é possível.

É preciso Sorte em nascer saudável, com bons genes, dentro de uma família coesa, responsável e influente. Sorte em ter bons professores e amigos que nos ajudem a definir e a progredir nos sonhos. Sorte em encontrar a feliz coincidência entre as nossas capacidades e as necessidades do mercado. E sorte em manter a saúde necessária ao esforço e empenhamento que o sucesso exige.

Só os ignorantes atribuem os altos rendimentos a mérito e os baixos a falta dele. A fraca relação entre mérito e sucesso não “legitima” a arrogância dos vencedores, nem deve desmoralizar quem não conseguiu subir na escala social.

Nas últimas décadas, Portugal entrou na onda (muito “americana”) de entender o valor de uma pessoa pela sua riqueza patrimonial e vai de dar medalhas de mérito a gente cujo sucesso deriva de alguma agilidade em lidar com o dinheiro, frequentemente o dos outros.

São difíceis de entender os altos vencimentos dos banqueiros, e os grandes lucros da gente que vive de negócio de oportunidade lembram-me uma história (ignoro a veracidade) de um cirurgião que sai do Bloco Operatório de mãos no ar e luvas ensanguentadas, para dizer ao marido que, ansioso, aguarda: “Surgiu uma complicação! Vamos ter que tirar o apêndice! São mais 200 euros! Que diz?”

Um vizinho meu conta-me, de olhos arregalados, que “fulano” está podre de rico a vender material que vai buscar França por dez e vende em Portugal por cinquenta. Ele não admira quem estudou ou se envolveu socialmente. Ele admira quem aproveitou a oportunidade.

Não nego valor a quem está atento ao “mercado”. Não lhe dou é especial mérito. Estas “oportunidades” de comprar num lado e vender noutro, geralmente associadas a nichos de mercado em expansão, dão origem a novos ricos que raramente investem em educação ou em estruturas socialmente úteis. O mais comum é gastarem em automóveis topo de gama e grandes almoçaradas.

Portugal deve ser o país da Europa onde há mais “Armandos Vara”, “Duartes Lima” e Loureiros de toda a espécie, uns a Dias, outros Valentões que, vindos do nada, usam empréstimos dos Bancos Públicos e Privados, para a “grande trafulhice” que lhes permite acarretar somas avultadas, não declaradas, e por isso, livre de impostos. São gente que anda atrás das “oportunidades” nas margens da legalidade, habitualmente “aconselhados” por Bancos, advogados e contactos conseguidos na “política”, enquanto o Portugal dos pequeninos se entretém a trabalhar e a pagar os impostos para que as estradas, os Hospitais e as outras funções do Estado lhes garanta as condições para o saque.

Nestes últimos anos tem sido difícil dar credibilidade ao nosso Estado. Tivemos um Primeiro Ministro a receber dinheiro em envelopes, um grande Banco privado a enganar depositantes, o Banco de Portugal a fingir que não via, um Joe Berardo de mil milhões de dívidas e o seu arrogante “Ah, Ah, Ah!” e todos esperamos o novo escândalo de amanhã.

Mas também é difícil acreditar numa população cujo imaginário é dominado pelo negócio de oportunidade, seja ele vender uma bouça no meio do nada a um árabe, para um palácio, ou gastar o que lhe faz falta em raspadinhas, na esperança que a Segurança Social lhe garanta o que lhe falta viver, maldizendo a sua pouca sorte e com ressentimento de quem se esforçou para ter uma vida melhor.

Um sistema económico deve ser julgado menos pela eficácia na satisfação dos desejos dos consumidores, e mais pelo desejos que gera e pelo tipo de carácter que forma na população. Eticamente, a criação de desejos "certos" é mais importante que a satisfação dos desejos quaisquer que eles sejam.