segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

O Tony Gordo e o Engenheiro John

 


O Tony Gordo é um paisano, de mãos grossas e peludas, a quem a roupa assenta mal. Tem uma personalidade bem-humorada e poucos estudos. Leva uma existência gregária e o excesso de peso é o seu maior problema. Começou como empregado de um banco nos idos anos 80, no departamento de letras de crédito. Mais tarde passou a atribuir empréstimos a pequenas empresas e a perceber o jogo de obter financiamento junto dos grandes bancos - os seus procedimentos burocráticos e aquilo que gostam de ver no papel. Ainda como empregado, começou a comprar às instituições financeiras propriedades em processo de falência. A maior conclusão a que chegou foi a de que os funcionários do banco que vendem as casas que não lhes pertencem, não se preocupam tanto com o negócio como os verdadeiros proprietários. Também aprendeu a comprar e a vender com dinheiro emprestado. 

O Dr. John é um engenheiro a trabalhar como analista numa Companhia de Seguros. Possui um doutoramento em informática e realiza simulações de “gestão de risco”. É magro, diligente, sensato e amável. Usa sempre fato, conduz um carro desportivo e é previsível como um relógio. Antes de entrar no emprego, lê atentamente o jornal e dobra-o muito bem para a continuação ao almoço.

Enquanto Tony enriquece os donos dos restaurantes, que rejubilam quando o veem entrar, John, todas as manhãs, acondiciona meticulosamente a sua sanduiche, fruta e salada num recipiente de plástico.

Vou submetê-los a uma mesma questão.

-Imagine que uma moeda é justa, ou seja, que existe a mesma possibilidade de cair em cara ou coroa quando atirada ao ar. Eu lanço-a noventa e nove vezes e de todas as vezes, a moeda fica com a face  cara virada para cima. Quais são as probabilidades de a moeda cair com a face de coroa para cima, da próxima vez que eu a atirar?

- Dr. John: É uma pergunta simples. 50%.

- Tony Gordo: Eu não diria mais que 1%.
- Mas porquê, Tony Gordo? Dei-lhe na premissa inicial que a moeda era justa!
- Tony Gordo: Ou tem a mania que é esperto ou é completamente "otário". A moeda só pode estar viciada. Não pode ser jogo limpo!
- Mas o Dr. John disse 50%!
- Tony Gordo (sussurrando): Conheço bem estes tipos “marrões”, desde o meu tempo de escola. Pensam demasiado devagar. Dá-se-lhes bem a volta!


Alguma vez se interrogou por que razão tantos alunos brilhantes acabam por não ser ninguém na vida, ao passo que outros, com um passado de reprovações, têm agora sucesso?
Isto poderá estar relacionado com alguma sorte, mas existe uma qualidade estéril e obscurantista, muitas vezes associada ao saber académico, que poderá impedir-nos de perceber o que verdadeiramente se passa na vida real.

Fragmento resumido de página de "O Cisne Negro" de Nassim Nicholas Taleb

domingo, 16 de janeiro de 2022

Era uma vez uma velha que morava numa ilha

Fosse eu o meu tio-avô Rogério, entraria de rompante e, com alta voz, declarava: "Eu é que sei! Assim é que é!. 

O assunto que hoje aqui me traz, tem a ver com o respeito pela tradição oral, porque a História tem de ser lida à época e o "politicamente correcto" raramente nos ajuda, mesmo quando há violência doméstica e gente feita da pele do diabo. É que as histórias têm de ter coerência e "pôr um gato a andar de rabanete", não só não tem lógica, como é pior que "atirar o pau ao gato".

O que tenho na memória, de há mais de meio século, reza assim: 

Era uma vez uma velha que morava numa ilha
E tinha um gato com os olhos cor de ervilha.
Que, por sinal, era muito lambareiro
E de tudo o que era petisco, andava sempre ao cheiro

Certo dia encontrando um chouriço
Meteu ao estreito o patife do enguiço. 
Vindo o dono do chouriço p'ra jantar
Encontrou a mulher a soluçar.

Oh mulher, o que tens, o que foi isso?
Foi o gato que nos comeu um chouriço!
E o homem pegando num cacete
Fez do lombo da mulher um perfeito tamborete.

E a mulher começando a gritar
Acorreu muita gente do lugar.
E aparecendo a Polícia, de repente
Começou a desancar em toda a gente.

Mas a velha que era levada do diabo
Bateu no guarda, no sargento e até no cabo.
E aqui está como se forma um reboliço
Por causa d´um gato roubar um chouriço.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

A minha bisavó Maria


Fevereiro de 1926

A minha bisavó Maria da Conceição Costa (f: 1964) e António Faustino de Andrade em Torres Vedras (onde era tesoureiro da Fazenda Pública). 
Atrás os filhos. Da esquerda para a direita - Alberto, Amílcar, o meu avô António Santos (1895 - 1970) e o filho de ambos Faustino de Andrade, que teria nesta altura 13 ou 14 anos. A senhora em baixo é a minha avó Helena (1901-1987), um mês depois do nascimento de minha mãe.

Foi o seu segundo casamento. Do primeiro com um agricultor de Cotas- Alijó, nasceram três filhos. Não conheci esse meu bisavô. Consta que gostava pouco de trabalhar e que não emparelhava com o espírito desenvencilhado da minha bisavó, o que a fez pegar nos filhos ainda pequenos e casar-se em segundas núpcias com este António Faustino que, reza a história, terá conhecido numa viagem de comboio para o Porto.

Estávamos no princípio do Século XX, com leis e costumes bem diferentes dos de hoje, que levam a perguntas sem resposta. Como é que ela sai daquela aldeia com a prole, deixando para trás o marido, num tempo em que não havia divórcio? Certo é que ela era uma mulher de fibra, incapaz de se acomodar a um homem que não trazia soluções nem pão para casa. 
E o que fazia ela num comboio para o Porto? E o que fez o António Faustino encantar-se por uma  transmontana, com 3 filhos? 

Este homem, ali sentado, de aspecto imponente, provou ser muito boa pessoa ao criar os rapazes como filhos. Empregou o meu avô na tesouraria em Torres Vedras (terra onde onde conheceu a minha avó) e posteriormente deu-lhe casa no Porto. Faleceu em 1947, quinze dias depois do casamento dos meus pais, onde se divertiu e dançou debaixo do véu da noiva. 

A minha bisavó, à sua direita, que até aos últimos dias cuidou de receber as rendas dos inquilinos, faleceu ao telefone depois de combinar um passeio com um dos filhos. Como estava pronta para sair, não a prepararam de novo e foi enterrada com a bolsa de dinheiro que trazia sempre debaixo da saia.