segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Carta a Marcello Caetano


Caro Marcelo:
Decidi escrever esta carta para sinalizar os 35 anos da tua morte real, seis anos depois da tua morte política.
Lembro-me de ti nos telejornais em banhos de multidão e nas “Conversas em Família” para nos doutrinar, até ao dia em que, de repente, caíste, dizendo uma frase estrondosa: “Rendo-me, para que o poder não caia na rua!”
Nessa altura, eu não sabia o que era o poder “na rua”. Só depois do PREC e das guerras civis nas colónias da Europa em toda a África, é que o entendi e passei a olhar-te como um académico crente num regime que recusava a nova moda mundial que ditava a autodeterminação dos povos e a alternância do poder.
Atiraram-te para primeiro-ministro quando já não havia solução. Um General num beco, envolto em denso nevoeiro, à mercê de vozes que o confundem, a tentar espaço no apoio dos fracos, até eles se cansarem e lhe virarem as costas.

A realidade atraiçoa quem dá "o seu melhor" quando a máquina já resvala e não há tempo nem mãos para lhe alterar o rumo. O regime estava em vias de extinção. Tu cumpriste-lhe o destino, qual mamute lanoso do Holoceno.

Foi a Esperança que te substituiu. Uma Esperança esfarrapada, a tomar medicamentos estrangeiros, a braços com “mercados” e “investidores” internacionais, impossibilitada de decidir por si, mas, apesar disso, melhor que a água choca onde pretendias que nadássemos.

Estive a ler os teus anos no Brasil até a morte te apanhar, de surpresa, encurralado pela vida, amargurado, solitário e com dificuldades económicas.
Devias saber ser esse um destino possível dos primeiros-ministros dos países do terceiro mundo, quando os regimes se eternizam no poder. É dos livros. Há uma altura em que o Povo dá ouvidos aos que perderam a Esperança, e exige aos poderosos que se arrastem na lama em que se julgam atolados. Só Cincinatus o interiorizou.

Tens mausoléu no Cemitério de S. João Batista, no Rio de Janeiro, onde o mármore roxo te acalma as recordações das múltiplas traições, bem longe deste Portugal que semanas depois de publicamente te aclamar, quis sumariamente acabar com os teus dias.

É a vida!

Fica bem!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

La vie de Adèle



Adèle Exarchopoulos é uma actriz rara, capaz de sugar uma vida com o olhar e, ... fala francês.
Abdellatif Kechiche, o tunisino que escreveu, produziu e dirigiu o filme "La Vie d'Adèle", fixou-lhe os olhos, os lábios e o sorriso e condenou-nos a admirá-la para todo e sempre, neste filme improvável.
Deus nos dê fôlego!

domingo, 18 de outubro de 2015

Futurologia em Medicina



É para aí que nos vão levando. Não tarda que os médicos estejam a preencher quadros à semelhança do que já fazem os enfermeiros.

A “coisa” terá semelhanças com o seguinte esquema:
Finda a observação, o médico deve dirigir-se ao computador e escrever, em locais próprios, os diagnósticos “prováveis”, os “definitivos” e os "indeterminados" de cada doente.
Após o “enter” irão aparecer no écran, as opções terapêuticas para os diagnósticos anotados, já com as doses ajustadas à idade, às alergias ou às insuficiências de órgão identificadas. 
Depois de escolher nas soluções disponíveis, o plano terapêutico será instituído, mas antes terá de justificar a preferência pelas que não estão nas primeiras linhas.

O “gestor”, semanalmente, irá analisar a "produção": o número e variedade de diagnósticos efectuados, os gastos, a iatrogenia e o cumprimento das NOCs, para depois dar uma nota de “eficiência”.

Esta será a época do “You are as good as your last performance”, em que qualquer gestor recém-formado num curso nocturno, porá em causa décadas de reconhecida vida profissional.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Mártires


Viana do Castelo, tem os seus mártires na fachada da Igreja dos Santos Mártires, popularmente chamada “Igreja das Ursulinas”. 
Tem S. Bartolomeu dos Mártires, por ter vindo aqui morrer na paz do Senhor, e que tinha Mártires no nome por ter nascido nessa antiga freguesia de Lisboa.
Não tem Rua dos Mártires da Pátria, nem dos Mártires da Liberdade, nem tão pouco dos Mártires da Arménia.

Os "seus" mártires - Teófilo, Saturnino e Revocata, não andam pelas suas freguesias. Aí pontuam mártires estrangeiros. Santa Luzia de Siracusa na Sicília, Santa Leocádia de Toledo, Santa Eulália de Mérida, São Lourenço de Valência e São Paio de Córdova, Santa Quitéria da Aquitânia e São Sebastião de Narbone em França, Santa Cristina da Toscana e São Martinho de Todi na Itália, São Pedro, São Bartolomeu e São Tiago da Palestina, São Romão de Antioquia e São Mamede da Cesareia na Turquia.

Alguns morreram muito jovens – Santa Quitéria aos 15 anos, Santa Cristina aos 12, Santa Eulália aos 14, Santa Luzia aos 21, Santa Leocádia (bela e muito jovem), São Mamede aos 15 anos e São Paio aos 13, todos eles nos primeiros 4 séculos da nossa Era. 

Os seus ícones lembram os que deram a vida para defender a “verdade”, uma verdade questionável à luz de outras fés, bem como o modo de a fazer valer. 

Com a tónica actual posta na "Inteligência emocional”, isto é, na capacidade de reconhecer a par dos próprios sentimentos, os sentimentos dos outros, e ter a capacidade de lidar com eles, orientamos a disponibilidade para o martírio para as consultas de Psiquiatria.
Recusamos entender os mártires no Islão, principalmente quando tomamos conhecimento de crianças atiradas para a morte a gritar Allahu Akbar (Deus é Grande) e vemos os mártires dos nossos dias, como vítimas das circunstâncias - os judeus no Holocausto, os Arménios de há 100 anos, os tutsis no Ruanda de 1994, os soldados no desembarque nas praias da Normandia ou os civis apanhados na guerra da Síria.

Quem radicaliza o gesto e se dispõe a morrer para não "apostasiar a sua fé", fica sem espaço.
Hoje, a um santo exige-se um currículo e o exemplo de compromissos com as outras Fés, para que, mantendo a sua, possa contribuir para a paz neste mundo globalizado.

Faltam ícones desses para o lembrar.


Nota:
A igreja dos Santos Mártires, popularmente chamada “Igreja das Ursulinas” é um pequeno templo do século XVIII, apenso a um grande edifício que serviu como convento sob a denominação de “Colégio do Senhor das Chagas”, regido por freiras devotas a Santa Úrsula.

domingo, 4 de outubro de 2015

Nossa Senhora da Cabeça


No distrito de Viana do Castelo, Nossa Senhora da Cabeça, tem romaria em Freixieiro de Soutelo -  V. Praia de Ancora, em Cortes – Monção e em Cristelo-Côvo – Valença.
Tem Santuário, capelas, um Parque Natural e uma Área de Lazer, com restaurante e centro náutico.

No Brasil, é venerada na Catedral do Rio de Janeiro e na cidade de Perdizes, depois de, em 1948, ter livrado de grave doença, o lojista Sr. Aristonides Afonso do Prado, e ele para ali ter levado uma sua imagem.
Nos dois países as orações diferem e a imagem também.

Em Portugal é representada com a mão na cabeça para protecção de quem tem dores de cabeça e para os filhos que não estão bem na escola, no Brasil com uma cabeça na mão, respeitando a sua História maravilhosa.


O pico da Cabeça é o mais alto da Serra Morena na Andaluzia, Espanha. Lá vivia um soldado das Cruzadas, Juan Alonso de Rivas, que ficara mutilado de um braço na guerra contra os infiéis. Por isso se tornou pastor.
Juan era devoto de Maria e, enquanto apascentava as ovelhas, rezava pedindo-lhe protecção.
Em 12 de Agosto de 1227, foi alertado por uma grande luz e por um sininho vindos do
cume do monte. Aproximou-se. N
uma gruta, viu uma imagem de Nossa Senhora, e uma voz vinda do Céu pediu-lhe  para ir ao povoado de Andujar falar da sua visão para que todos se convertessem e construíssem naquele lugar uma igreja.
Juan, com medo de que não acreditassem nele, pediu a Nossa Senhora que lhe desse um sinal e  viu o seu braço refeito.
O vigário de Andajur e todos correram para o pico da Serra da Cabeça para verem a imagem e venerar Nossa Senhora. Ela passou a ser chamada ali de Nossa Senhora da Cabeça. Trouxeram a imagem para o vilarejo, até que fosse construído um grande templo em sua honra e toda a região se converteu e passou a peregrinar à  Serra Morena.
Vários milagres começaram então a acontecer. Um condenado, que jurava inocência, pediu-lhe um milagre, e, na hora de sua execução, chegou um mensageiro do Rei trazendo o perdão, dizendo que haviam errado no seu julgamento. O homem mandou fazer uma cabeça de cera e depositou-a aos pés da imagem em agradecimento.
Por este motivo é representada segurando uma cabeça em suas mãos.



sábado, 3 de outubro de 2015

Rua da Judiaria

Primeiro era uma rua sem nome. Quando, a oligarquia cristã, na segunda metade do século XV, disputou os espaços nobres da cidade aos judeus, e os obrigou a viver em zonas circunscritas na periferia do agregado urbano, começou a ser denominada Rua da Judiaria - uma das "ruas do arejo" de Viana do Castelo, perpendiculares às ruas principais que iam "de monte a mar".

Assim se manteve até os anos a degradarem e começar a ser povoada por uma marginalidade dedicada à prostituição e passar a ser conhecida por Rua dos Sete Ais.
Em Janeiro de 2008 a  Câmara rebaptizou-a com o nome de Amália, por ela ter cantado a cidade, e muitos vianenses insurgiram-se contra este "upgrade", por lá respirarem casas dos judeus antigos, com os seus símbolos gravados nas ombreiras ou padieiras das portas.










































Desculpa Amália, mas essa rua é deles, mesmo que já lá não morem, e tu ... ali, não passas de uma intrusa.