-E o Orlando, como está?
-Está cheio de falta de ar, mas aguenta-se!
-O tipo tem sete vidas. No Porto só o operam quando não estiver infectado, mas cá para mim ele não sai desta!
Durante semanas o Orlando debateu-se com uma endocardite bacteriana e com um sem fim de complicações, que todos os dias surgiam a agravar a sua já pouca saúde.
Era um rapaz bonito de olhos azuis, cabelo ondeado e aquela magreza de capa de revista. As cicatrizes nos braços das flebites eram a única coisa que o desfeava.
- “Ele já esteve pior! Agora pelo menos tem o antibiótico dirigido ao agente identificado.”
E o Orlando aguentava-se, com o fole a dar a dar, rodeado de tubos, fios e drenos e a cabeça a vogar como uma traineira em mar encapelado, sem perceber o que se passava em seu redor.
Eram os 17 anos e a resistência àquelas doenças, que à uma o atormentavam, que nos surpreendiam.
-“Não se safa!”
-“Vais ver! Estes gajos não morrem! Se fosse alguém que cuidasse da saúde, já tinha ido. Mas estes tipos têm sete vidas!” E entravamos na enfermaria a medi-lo com o dia anterior.
-“Oh Orlando, estás melhor?”. E o Orlando, no meio das muitas inspirações, balbuciava uma resposta onde se percebia um sim.
- “Ouve lá! Onde é que tu te drogavas?”
- “Nas muralhas!”
- “E como é que fazias?
- “Deitava o pó numa carica, depois punha sumo de limão e misturava.”
- “Então andavas sempre com uma carica para o preparado!”
- “Não! Por ali havia sempre caricas no chão, e eu apanhava uma!
- "Ahh!"
…
Sobreviveu à infecção. Foi operado para substituição de uma válvula cardíaca. Regressou e esteve, no total, três meses internado. Após a alta, manteve-se na consulta não mais de um ano.
…
Um dia, num Café, em que eu não era habitual, é ele que me serve.
-“Então como andas, Orlando?”
Era já um homem, mas mantinha aquele ar frágil e inseguro. Trabalhava ora aqui ora ali sem se deter muito nos empregos, mas deslocava-se sem aparente dificuldade. Tomava Metadona e vivia com a mãe.
- “Lembras-te do que passaste? Pensaste que não escapavas!?
- “Não! Só me lembro que só pensava no pó!”