“Mácabêeeeluu!” Era assim que me recebia o Cachopo “grande”, enquanto me passava a mão pela cabeça, como a despentear-me. Era ele o chefe. Irmão do Cachopo “pequeno”, meu companheiro de rua, ladino no futebol e exímio na arte de fazer cara de macaco.
Era um carinho e um sinal, para que se soubesse que ele me defenderia, por ser eu o mais pequeno.
Com o tempo, aquele gesto que eu recebia com agrado, chamou-me à atenção para o meu cabelo espetado e duro, impossível de despentear, diferente do da miudagem que já usava risca ao lado.
Um dia devo ter expressado o tormento desta diferença, pois lembro-me de me ter sido dada a explicação:
-Tens o cabelo espetado e andas sem apetite, porque estás “augado”!
Este diagnóstico tinha fundamento numa suspeita. A de eu ter ficado com "cisma" por me ter sido negada uma qualquer guloseima que desejara intensamente.
O caso deve ter sido discutido no fórum familiar e na casa das vizinhas, que depois do insucesso de dois frascos de vitaminas, propuseram um tratamento de uma amiga da minha avó. O problema resolvia-se comendo um bolo atrás da porta, e dando o sobrante a um cão.
O bolo tardava e passou a assunto divertido à hora da refeição, sem a devida nota de seriedade face à minha justa expectativa, o que não entrava na minha cabeça de sete anos. Mas eu que descansasse, que o bolo havia de vir, e a resposta para a demora estava nos rituais que deveriam ser cumpridos para que tratamento resultasse. Ele devia ser confeccionado com azeite e sete farinhas de milho e centeio, pedidas a outros tantos vizinhos, cozido em forno de pão, enquanto à porta dele se repetia uma reza, que mais tarde soube ser: “Em louvor de São Bento, vai o augado pelo forno dentro”
Por fim, lá veio o tão afamado bolo, que comi zelosamente de acordo com os preceitos. Mas talvez outros não tivessem posto o mesmo empenho, pois só aos 18 anos, e muito à força de Brill Cream, consegui colocar do lado esquerdo da cabeça o esboço da tão desejada risca.